terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ENTRE 2O13 E 2014 - A ESPERANÇA ©

Nos actos humanos de maiores  dificuldades, onde tudo parece fraquejar, é a esperança que devemos colocar na proa, mesmo antes da largada, e é ainda ela que preside ao final que não se limita a si, mas que quer logo abrir novo horizonte. Todavia, o que parece ser uma espécie de alfa e de ómega num ciclo de actividade, pode ser um vago canto de sereia, se apenas nos fica a boa consciência de termos esperança. Entre a que é “a última a morrer” e a que deve presidir ao nascimento de certo projecto, toda a esperança é passiva se não a fizermos acompanhar de uma acção, ainda que seja apenas um movimento de alma que acredita sem vacilar no cumprimento do que já foi ideia, esforço e inteiro labor. D. Sebastião regressa apenas ao coração dos que o procuram. A verdade e o paradoxo de tudo isto é que um arco-íris aparece sempre do lado contrário ao sol.

Eduardo Aroso

sábado, 21 de dezembro de 2013


VISÃO DE NATAL ©

 
Não falo desse amor,
O pior do deserto
Que não vai além de pó.
Digo da palavra que alumia
E lavra na madrugada do coração
Do homem só que há-de ser dia.

Na pedra fria do mundo,
Só podemos esperar o braço do canteiro,
Movimento nosso, peregrinos sobre as areias.
Rompe a chispa na hora misteriosa do solstício
E toca-nos os olhos e a alma nas suas estranhas veias.
É por isso que da pedra vemos sair a flor de luz
A seiva invisível para o mundo inteiro.

 
Natal, 2013
Eduardo Aroso

domingo, 15 de dezembro de 2013

NADIR AFONSO
(In memoriam) ©

 
O ponto.
Sempre.
De início ao fim.
A linha também,
As sinapses
Do complexo absoluto.
O movimento dentro
Tem o mínimo de fora.
Ilude-se a forma
No pulsar da vida.
Agora
O ponto
(Final ou não)
Do reencontro.

 
Eduardo Aroso

12-12-2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (10)

 
Para entender o regresso dos deuses, o aceitar da luz do sol  terá que ser feito como uma oração, e não apenas enquanto informação metereológica que atrai mais turistas. ©

 
11-12-2013
Eduardo Aroso

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013


AFORISMOS DE IMANÊNCIA (9)

 

Com muita frequência, a dificuldade de relacionamento de duas pessoas resulta de que qualquer uma delas está sempre ansiosa por abrir uma porta no sítio errado, quando devia entrar por aquela que já estava aberta há muito tempo. ©
 
5-12-2013
Eduardo Aroso

 

domingo, 1 de dezembro de 2013


AFORISMOS DE IMANÊNCIA (8)

 
No amor, ou voamos como os pássaros ou ficamos em terra a falar de ninhos. ©

 
1-12-2013
 
Eduardo Aroso

quinta-feira, 28 de novembro de 2013


O SORRISO E O APOIO

 Os anciãos passam. Têm o único apoio na bengala que, de tão frágil, já nem pode ser instrumento de defesa! O chão foge-lhes e às vezes acontece escorregarem nas folhas oleosas dos descuidos urbanos, ou obrigatoriamente nas outras, as folhas deslizantes do calendário. Todavia, olham o mundo. Sorriem ainda. Chamam os pássaros para cima dos bancos do jardim, ou simplesmente à sua memória os da já longínqua infância, que se cruzam com as aves de agora, obrigadas a recrutamentos nos espaços da ecologia.
Os anciãos sorriem e estremecem quando vêem uma criança. Talvez como a tarde se comove com a manhã no que tem de igual e de diferente. Por não falarem já tanto,  sorriem, olhando através das árvores, onde tudo é nítido: o que passou e o que há-de vir. Nesta idade sorriem apenas com um único motivo: a vida justifica-os e dá-lhes inteira razão por vê-los corajosos, à frente, na grande maratona!©

 Eduardo Aroso

27-11-2013

terça-feira, 26 de novembro de 2013


 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (7)
 
 
A energia de sobra que há nas ondas da costa portuguesa contrasta com a nossa actual escassez de força anímica. É a exaltação de Marte e Neptuno (a quem todos obedeceram, como cantou Camões) contra a imobilidade depressiva de Saturno. Até que o desespero de enfrentar de novo o Adamastor nos crie, outra vez, o ímpeto, como também cantou o vate em Os Lusíadas: «Olhai que ledos vão por várias vias»  ©
 
Eduardo Aroso
Novembro 2013 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013


CONFRARIAS E MISERICÓRDIAS

Quem conhece a fecunda e longa tradição destas instituições da História de Portugal, sabe que, hoje, são completamente desajustadas estas palavras pelas quais se denominam. Longe vão os tempos, do século XIV, em que na Confraria do Espírito Santo de Alenquer, na Festa do Bodo, clero, nobreza e povo, sentados à mesa, e perante a família Real, os pobres e estropiados, eram servidos antes de tudo o mais! Acto simbólico antecipando qualquer ideologia. Salvo nas confrarias onde ainda, graças a Deus, os pobres irmãos, por exemplo, vestem a sua opa para acompanhar um corpo até à última morada, o ambiente gastronómico que se vive nas actuais ditas confrarias estão muito abaixo das velhas ceias dos últimos tempos da monarquia, onde à volta do borrego assado e do vinho de Colares, já não havia ideias e muito menos ideal!
Quanto às Misericórdias - e porque um bastão tem sempre dois lados - é certo que cumprem ainda um meritório papel humanitário e de interesse social (muito especialmente quando há eleições!). Mas quando a ideia de lucro começou a ser o oxigénio onde todos respiram, o melhor seria mudar o nome na raiz, o de Santa Casa da Misericórdia. Como disse Eugénio de Andrade «as palavras estão gastas».

Entroncam aqui necessariamente alguns aspectos que há na ideia de Estado-Social. Mas é interessante a constatação, no presente, do declínio deste último e a perversão da nossa tradição histórica nas referidas instituições e noutras que não vêm ao caso. O conceito de Estado-Social, uma invenção nórdica emergente dos dois troncos do protestantismo, protagonizados por Lutero e Calvino, feriram de morte a nossa tradição que chega assim aos nossos dias na mais baixa bastardia. Afastamento do nosso vernáculo que, naturalmente alheio à era industrial, a continuar, ter-se-ia que forçosamente aperfeiçoar ao longo dos tempos. Mas muito provavelmente não teríamos esta dolorosa distância onde os pobres já não têm entrada por não poderem pagar a mensalidade… Assim, poderíamos ter evitado, por exemplo, que essas instituições se transformassem em apenas acolhedoras de degustadores, num caso, e de gente idosa, noutro. ©

22-11-2013

Eduardo Aroso

terça-feira, 19 de novembro de 2013


 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (6)

 
Quando em Portugal se diz que o mais alto magistrado da nação deve ser o «presidente de todos os portugueses», representa, esse ideal, no nosso psiquismo colectivo, a restauração da figura unitiva do rei. E quanto mais o presidente se afasta de todos os portugueses mais «o rei oculto» se aproxima. Mas a saudade não é a da figura – porque oculta – mas do «princípio» ou sentido que é o de unidade nacional, sobretudo em tempos de crise.  ©

Eduardo Aroso, 21-11-2013  

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (5)

 O facebook é mais a estreiteza do momento do que a eternidade do momento. ©

19-11-2013
Eduardo Aroso

 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (4)

Há em Portugal uma linha genealógica de traição ininterrupta que vem desde os Filipes a Durão Barroso; do administrador dos bens da corte de D. João V a Vitor Constâncio ©.

Novembro, 2013
Eduardo Aroso




segunda-feira, 11 de novembro de 2013


 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (3)

 
A minha saudade não é unilateral. O encontro é meu com o tempo; encontro de quem sente com a perenidade do que foi alguma vez sentido. Só há desejo plenificado noutro desejo. ©

 
Novembro de 2013 (num lugar do planeta Terra)
Eduardo Aroso

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (2)

 
Uma nação com quase nove séculos de História não pode ser um «haiku». Na verdade, a nossa epopeia não cabe em três versos! Camões demonstrou isso nos Lusíadas, antes mesmo de ser necessário fazê-lo. ©

 
11-11-2013
Eduardo Aroso

domingo, 10 de novembro de 2013

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (1)

Por que será que poucos reparam no fantástico tempo que vivemos que, de tão intenso, nos deixa negativamente perplexos?
16:25 h
10-11-2013 
Eduardo Aroso 

sábado, 9 de novembro de 2013


A DISTÂNCIA, O TEMPO E A «VERDADE DO AMOR» DE SOLOVIEV

 
Sobretudo nas últimas décadas, vencida relativamente a distância pelos meios que estão à vista, bem mais difícil se torna vencer o tempo, já que este, ao contrário da primeira, parece ser o efeito de uma metamorfose da matéria. O corpo humano desgasta-se mais no tempo do que uma rocha e do que o próprio sistema solar que permanecerá ainda milhões de anos!

Mas a busca para vencer o tempo continua, porque, em boa verdade, já há muito sabemos que existe um tempo objectivo (Cronos) e um tempo subjectivo (que pode ser atribuído a Urano). É bem conhecida a imagem clássica da sensação de tempo tão diferente que decorre quando dois namorados passeiam agradavelmente ou a de um condenado numa prisão. O domínio do tempo – inquestionavelmente uma ambição máxima do homem – parece estar relacionado com o mergulho num ponto central, de onde tudo emana, na imagem da circunferência com o ponto. O Tao diz-nos algo sobre isso bem como a filosofia rosacruz (dada por Max Heindel) que na sua Cosmogonia refere que (ao contrário de um “light new age”)  os mundos não são paralelos, mas concêntricos. Neles a sensação de tempo depende da vibração desses mundos: quanto mais denso (o caso do nosso mundo físico) mais sensação de tempo.

 Mas é nele que estamos. Nicolau Berdiaeff (1874-1948) em «Cinco Meditações sobre a Existência»  examinou habilmente – e de um modo nem sempre fácil para o leitor – a velha e nova questão do tempo. Mas já que falei num ponto central, há que falar também de V. Soloviev (1853-1900), quando trata o tema do amor. No fundo, é ele que tudo regenera, e diria que regenera todos os tempos nas clássicas formas passado presente e futuro, porque, assim, até este último se constrói melhor. E o que pode parecer mais estranho - mas não tanto! - é que o Amor é algo sempre existente, não dependendo da acção humana, para começar ou acabar; apenas nos momentos mais fatais pode ser interrompido ou modulado.

É claro que não se trata do sentimento da grosseira expressão “fazer amor”, que tomou conta de nós numa das maiores ilusões do relacionamento entre pessoas.  ©

 
Eduardo Aroso, 9-11-2013

 

sábado, 19 de outubro de 2013


VINICIUS ENTRE NÓS

Tropical,
Dizias
E cantavas.

O sol adormecias
E a lua acordavas.
No cristal do copo
Vinho sincopado.

No café com pausas
Via-se a mulher
Soneto aromático.

Dissonante tropical
O acorde-acordo
Modulando saudade
Brasil e Portugal.

Eduardo Aroso

19-10-2013
(Centenário do poeta-compositor)








sexta-feira, 4 de outubro de 2013

NA CAMA DE UM HOSPITAL ©

 
Um horizonte branco inclina-se sobre nós.
As nuvens existem mas não mancham
O delicado pano
Tecido para abrandar a dor.
Dia e noite as manhãs são muitas
Quando ouvimos um sussurro:
Vai ficar melhor!

 
Coimbra, 4-10-2013
Eduardo Aroso

segunda-feira, 30 de setembro de 2013


O SER E O PODER - RESCALDO DE UMAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS

(OU A ENTREGA DE TESTEMUNHO PERANTE AS CAMADAS DO TEMPO)  ©

 
… Mas só um sonho maior, de um arco de trezentos e sessenta graus, pode ser o móbil de convergência do povo português; apenas com a percepção, seguida de esforço, de um projecto verdadeiramente assente na nossa natureza potencial, seja o modo próprio de fazer e divulgar cultura, seja a eficácia de um aproveitamento global emergente daquilo que geneticamente somos e flui - quando não é obstruído - na força de trabalho. Diversidades as nossas, de sempre (uma forma mais estável de riqueza), começando pela geografia deste pequeno rectângulo («nesga de terra debruada de mar», como lhe chamou Torga) que em poucos quilómetros vai da lezíria à planície ou da plasticidade do litoral ao granítico interior; a diversidade feita do convívio multirracial e intercontinental, lusa identidade com a génese no tronco cristão, hebraico e islâmico (berbere). Pelo que, a diversidade deve, como inteligência, ser gerida como tal, na visão superior que deve estar presente naqueles que lideram.

Assim, de que modo este «nada que é tudo», como acentuou Pessoa, se poderá fazer um Portugal mais presente numa Europa tão ausente? Muito a propósito destas eleições, é acutilante o que escreveu Adriano Moreira no DN já em 17 de Setembro: «Grande parte das alienações que se vulgarizam tocam nas raízes das comunidades e, portanto, na sua identidade. Nas crises brutais por que Portugal passou nestes já longos séculos, foi a segurança da identidade da sociedade civil que permitiu reconstruir um novo futuro».

O sonho nunca foi inatingível, mas é certo que tem sido método seguro construir do perto para o longe, caminhar do conhecido para o desconhecido, e, por isso mesmo, a vera cultura política em Portugal deve começar por estudar a nossa longa e rica tradição municipalista (termo que se deve sobrepor a autarquia). E é da responsabilidade dos municípios, juntas de freguesia, escolas e outras instituições, essa tarefa tão bem colocada há já algumas décadas pelo filósofo Afonso Botelho na sua obra ímpar «Origem e Actualidade do Civismo».

 O que temos vindo a assistir nas últimas décadas, nas relações dos governantes com o povo, são posturas visceralmente antiportuguesas e contra a natureza (o mesmo é dizer contra todos os seres) de indivíduos de uma cultura híbrida mal enxertada (quando mesmo sem enxerto nenhum), de projectos que trazem carimbos de Bruxelas; de gente que gosta de tapar relva com alcatrão; posturas e modos de agir (salvo as excepções que felizmente não são tão poucas!) que têm laivos faraónicos, quando, a todo o custo, se quer deixar o nome, a data e mais não sei o quê, nas pirâmides de cimento de cada localidade (só ali não fica mausoléu por impossiblidade). Ou quando o espírito iletrado, degeneradamente burguês, confunde um vitral com os azulejos de uma casa de banho.

 A iniciativa individual, legítima de quem dirige e gere, é uma inteligência que ainda se confunde com o dever de gerir prioritariamente a inteligência do cidadão. Mas nisso sempre houve um obstáculo, esse que o vate Luís de Camões, sabendo dos ventos de todos os tempos, bem conhecia ao escrever a última palavra de «Os Lusíadas».

Seja qual for o poder, de uma pequena comunidade ou mais centralizado, seja o de um mandato local de uns poucos anos, ou o de períodos históricos dilatados, ou corrigimos os vícios (de casa pequena de quando o império era grande) e agimos em consonância entre a epiderme de fazer transpirar e o anímico do «tudo vale a pena», ou a alternância de poder é sempre a mesma fotocópia mais ou menos desbotada.

 
© Eduardo Aroso, 30-9-2013       

 

 

terça-feira, 24 de setembro de 2013



CIDADE  AQUI  ©

Há esta distância na cidade:
Entre quem vive e o vivido
Entoa o mesmo e diverso tempo
Um sussurro leve de saudade,
Mas não chega para o afinco
De sermos filhos da voz do vento.

O rio é que faz correr o elixir,
E dizemos que a urbe está no sangue
O de Inês
E de muitos outros que vai secando nas veias
Por não ter por onde fluir.

Há esta estranha página colada
Que faz a viragem errada.
A distância da cidade
É o aroma que se perde
Entre a rosa e o caule.

 
Coimbra, 24-9-2013
Eduardo Aroso

sexta-feira, 13 de setembro de 2013


NATÁLIA CORREIA
OU AS ÁGUAS DA MÁTRIA ©

Da ilha sem dimensão
É que vieste,
Solitária, nua e bordada
Da veste branca dos deuses.

Enluarada de um fado
Timbre atlântico,
Névoas distantes
Do oceano futuro
Ainda sonhado...

Quando esmorece
Das águas o rumor,
Ó Tágide sempre, destino nosso,
Vens tu fantasma benigno por amor!

13 de Setembro de 2013
Eduardo Aroso ©

quinta-feira, 5 de setembro de 2013




ENTRE DUAS CHAMAS

 
A chama de fora
Não é a de dentro:
A primeira destrói;
A segunda, alimento…

 
A chama de fora
É loucura do mal;
A luz de dentro
Alma de Portugal.

 
A natureza verde
Fizeram-na inferno.
Não perece o sonho
No céu eterno.

 
Entre vale e outeiro
Os trilhos da cruz.
Com chama ou sem ela
Só Deus conduz!

 
Eduardo Aroso ©
Setembro, 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013


CEMITÉRIO DE TELEMÓVEIS ©
 
Aqui jazem!
Nenhum deles viveu
Para amar o próximo...


Eduardo Aroso ©
Agosto de 2013

quarta-feira, 21 de agosto de 2013


POEMA DAS SEMPRE BEM-AVENTURANÇAS ©

 

            A Roberto Costa

 

Bem-aventurados os livres que na sua condição

Içam dos pântanos escuros

Os que ainda labutam na opressão.

 

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça

E se esforçam por derrubar da mentira os muros,

E sangram nas veredas da pesquisa,

Às vezes feridos na luta

Dos processos em apuro.

 

Bem-aventurados os que persistem

E resistem na senda da verdade

Ainda que no fim tenham que dizer

«e no entanto ela move-se…»

 

E os mansos cuja mansidão

Escorre do suor de cada mão,

Do rosto e da pele quando lhes tocam

Os calafrios da fome e do abandono;

E os justos que corrigem um troco de dinheiro,

Por engano mal feito,

E nas coisas do Estado vão pelo caminho mais estreito…

 

Bem-aventurados esses sentindo que o fulgor de uma intuição

Atravessa as enciclopédias surdas à voz da profecia,

Gritando pela actualização necessária de cada dia.

 

Bem-aventurados os que reúnem passado e futuro

No ápice iluminado do presente,

Os que sabem hoje do destino inevitável

Do muito que nos serve

Ser tão-só matéria reciclável!

 

Bem-aventurados os que choram

Rios que passam nas cordilheiras do apuro,

Águas ansiosas do oceano da paz,

Lágrimas como raios de sol

De um novo dia que a madrugada traz.

Os que choram o sal desta e qualquer idade,

Os que choram como um poema

Escrito pela rosa oculta da saudade.

 

Bem-aventurados todos, filhos da luz,

Semeadores de sóis por haver,

Asas do porvir, esperança em propulsão,

Os do gesto inteiro,

Que sonham com a Criação.

Na ânsia mais alta:

A busca do verbo último e primeiro!

 

Escrito por Eduardo Aroso ©

Agosto de 2013

 

domingo, 21 de abril de 2013


NA MEIA JANELA DA LIBERDADE SÓ UM COMBOIO PASSA
Trinta e nove anos para abrir a meia janela da liberdade. Há migalhas no parapeito, junto às cortinas rasgadas, onde se dá de comer às aves do céu… E vêm muitas. Passam horas, dias, e a febre sobe, sobe, fazendo rebentar as flores (e talvez as veias) desta primavera. Os comboios não passam, a não ser o «comboio descendente» de Pessoa, onde «riem todos à gargalhada». É o comboio em queda livre. A liberdade é um quisto de que não se cuida. Nem do pão que a alimenta, do suor do rosto justo e responsável.
Já sabemos de que lado nasce a noite: do farol fundido, junto à torre maior da freguesia; e mais a norte no mapa do continente que engana quem não lhe conhece a cronologia. Já sabemos como a noite nos envolve no silêncio réptil da volta seguinte ser sempre mais apertada. Falta encontrar a chave para esconder de vez o papão lá ao fundo, no quarto das inutilidades.
«E depois do adeus…» longa é a espera. Valha-nos Deus!
Escrito por Eduardo Aroso em 21-4-2013

quarta-feira, 17 de abril de 2013



POEMA DA FACA

(Em jeito de posfácio ao posfácio
de António Cândido Franco a Contramina de Ruy Ventura)

Em todo o caso ela divide a força
Corte dissonante chamando o ser,
Antítese além-sangue
Para mais ver.
Impossível é separar a alegria
Chispa do momento,
A circulação maior que ninguém corta
Nas artérias intocáveis do vento…

A faca ressurgiu, Fénix primeira,
Existindo para cortar a rima do mundo
Separando de abundância a poesia!
A verdade da voz que há na faca
É maior que o seu tamanho:
Antes do punho e da ponta
É o modo como corta ou fala.

Eduardo Aroso

(Coimbra, 16-4-2013
Apresentação de Contramina de Ruy Ventura na Casa da Escrita)

Publicado a 1ª vez em

domingo, 31 de março de 2013


MOSTEIRO DOS JERÓNIMOS
No sepulcro fundo
Esquecido do tempo,
Sopra a memória
Suave do vento.

A Hora é sempre
Nossa e viva.
A viagem que lavra
Do Alto é vista.

A pedra resiste
Desperta,
Vigilância extática
Alerta.

Se o profano
Grita,
O arcano
Rectifica.

(36 anos depois da 1ª edição de «História Secreta de Portugal»,
de  António Telmo)

Março de 2013
Eduardo Aroso

Publicado a 1ª vez em
http://circuloantoniotelmo.wordpress.com/2013/03/22/homenagem-a-antonio-telmo-um-poema-inedito-de-eduardo-aroso/

sexta-feira, 1 de março de 2013


HABITANTE SENSÍVEL de Eduardo Aroso (Universitária Editora, Lisboa, 1997)

Com prefácio do poeta de Salamanca, José Ledesma  Criado, e um texto da Profª Carolina Michaëlis de Vasconcellos - Berlim, 15/03/1851-Porto, 16-11-1925 -, que Joaquim de Montezuma de Carvalho encontrou.



Naturalidade

Berço do primeiro dia,
Mel do cobertor.
Ao gemido solto
Respondeu-me o rio,
À hora matinal;
Amor comprometido,
Além do leite maternal.

Hoje cobre-me a névoa,
Impurezas do dia a dia.
Por que se esconde a tua face
Se quero cantar-te de alegria?
Há um rumor que eu sei
E a pura sementeira
De um sábio Lavrador.
Ó Coimbra ainda a desfolhar...
Creio em ti na euforia
Da luz clara de outra lua cheia!

(1º poema do livro)

Eduardo Aroso


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Bucólica de poetas
 
Todo o possível alimenta o sonho
Que se doira pela tarde no eirado.
A coroação das raízes
Faz-se ao sol quando a palavra aquece.
Todo o fruto amadurece
E a doçura faz dele uma varanda.
As nuvens içam-nos para o alto
A outra luminosa terra, verde prado,
Onde as próprias cabras
Pastam no telhado.
 
Eduardo Aroso

15-2-2013

Publicado em 15-2-2013, pela 1ª vez em

http://circuloantoniotelmo.wordpress.com/2013/02/15/um-poema-inedito-de-eduardo-aroso-6/

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013


AMAR PORTUGAL (4) Da Compulsão Religiosa do Português   ©
Nietzsche disse lapidarmente que o jornal diário veio substituir a missa da manhã. Esvaziada hoje por obscuros e labirínticos corredores, quando não por nítida perversão do sentido informativo, esta espécie de “missa laica” desfolhada em páginas da imprensa em papel, parecer ter passado para o facebook e para o telemóvel, sem que esteja a salvo a sua permanência desta maneira.
Há assim uma deslocação para a busca diária de algo onde também somos convidados pelo constante e pendular movimento de rotação da Terra. Querer saber notícias (estabelecer pontes entre o mundo do outro e nós próprios), é também outra inquietação de religiosidade, seja religare a terra com o céu, ou o homem de fora com o seu céu interior, a que alguns chamam alma. Tudo isto independentemente da igreja a que pertença ou não pertença. Esta compulsão interior, amortecida de várias maneiras, instintivamente quer acompanhar um outro ritual que é o do alvorecer, da saudação ao sol como palavra (sinal) de esperança e de conforto, dados pelo mais visível rosto da Vida.
No caso português junta-se uma outra possibilidade da continuidade do ritual, seja no quintal, seja na praia, não apagando assim de todo peculiares e ancestrais vivências pagãs. Sempre que tem folga, o português elege a natureza como intermediária entre o fastidioso e cada vez mais complexo mundo do trabalho e a sua compulsiva divindade, que vê e sente nas ondas, nos ventos e até na indecisão das dunas onde inconscientemente pode confundir um D. Sebastião com um pescador ou uma sereia! Hoje, o português toma a natureza não como altar voluntariamente preparado, não por dentro ao modo de Frei Agostinho da Cruz ou de Pascoaes, mas pela dádiva da ondulação à vista, a conversa ao lado do farnel e as gaivotas sobre a areia e alguns biquínis. É assim neste templo natural e instintivo, que fica a meia distância de outros de arquitectura antiga ou contemporânea. E, se não quer estar parado, prefere ser caminheiro a uma romaria ou a um santuário, tendo o melhor exemplo o de Fátima. No português habita a sensação – preguiçosa e espreguiçada ao sol – de ser filho do céu, o que amolece e lhe completa mais o perfil dos «brandos costumes». Religiosidade, ora grácil ora amortecida, que tende a diluir-se na vibração. Colectivamente, o seu sentimento religioso nunca foi confrontado com a tese da mística castelhana de um Juan de la Cruz, a da noite escura da alma, quando Deus «oculta a Sua face». Nem nos sessenta anos de domínio filipino, nem paradoxalmente em face dos horrores elementais do Adamastor. Dir-se-ia que, para o português, a natureza o consola, ao mesmo tempo que lhe amortece a sua inquietude religiosa própria, forjando assim a sua brandura de costumes, ao invés de interpelar Deus com algum furor como o faz, por exemplo, o germânico, cujos resultados da indagação chegam por canais de outra ordem nem sempre benignos.
Amar Portugal é criar espaços portugueses dentro dos espaços indiferenciados.
Amar Portugal é não lhe desfigurar mais o rosto, denunciando a vil inestética que grassa tocada pelo vil metal.
Amar Portugal é tornar português tudo o que nasce aqui filho dos sem-pátria e sem sentimentos que não sejam os de rapina, isto é, do que se manda vir de fora para a nossa escravização, em vez da realização plena como foi prometida, há séculos, em Ourique.
Eduardo Aroso
13- 02-2013 (efeméride de nascimento de Agostinho da Silva)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013


REENCONTRO

A terra veste-se de vários modos consoante a época do ano.
Mas não põe máscaras.
Hoje tomei-lhe a epiderme.
E na seiva da raiz dos limoeiros
Que me deu através das minhas mãos,
Senti que era a maneira mais autêntica de me beijar.

Rio de Vide, 12-2-2013
Eduardo Aroso

domingo, 10 de fevereiro de 2013



CELEBRAÇÃO

      À Maria Toscano,
      de poeta a poeta

Arde-nos o sol nas mãos
Quando a palavra se lavra,
Consentida.
Sabemos da relação natural
De giestas e neurónios;
Do suor oculto da humanidade
Na busca da perene ideologia.
Comungamos do sem cansaço de estar de pé,
Do primeiro vómito criador da terra
Na memória antiga dos silêncios contidos
Com um timbre de voz
Que se derrama por todos os sentidos.

No Café Montanha (Coimbra),  em 29-1-2013

Eduardo Aroso

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013



AQUI

Todos os dias uma rosa se dispõe
A beijar a cidade.
De noite vigiou-se no escuro
Para ser Lua e Sol
De brancura e claridade.
Mas ninguém vê quando as pétalas
Caem no puro chão.
Ninguém olha as nuvens de melodia
Que tornam apetecível
O mais estranho pão.




Coimbra (Santa Clara, 30-05-04)



Publicado pela 1ª vez em 2006 em
 http://triplov.com/espirito/aroso/2006/Rainha-Santa.htm










terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


«Poemas do Arquétipo»

O meu segundo livro, apresentado no Auditório Municipal da Figueira da Foz, em Julho de 1990. Iniciou a Colecção Ponte (Poesia) do GRESFOZ (Grupo de Estudos Figueira da Foz) do qual sou um dos fundadores. Perante o auditório repleto, teve a presença dos colegas poetas, Raul Traveira (que apresentou um estudo numerológico-pitagórico dos poemas), Julião Bernardes e Manuela de Azevedo, bem como  da saudosa amiga Maria de Lurdes Ribeiro. Houve ainda a participação da Academica de Música Monteverdi (Coimbra) e da Tertúlia do Fado de Coimbra, grupos dos quais também sou co-fundador.



                                                              TOMAR

                                                              Ainda hoje
                                                              As constelações
                                                              São em ti esplendor,
                                                              Ponto vivo
                                                              De energia e de amor.

                                                              Quando batem as horas
                                                              No bronze alquímico,
                                                              Os cavaleiros vigiam
                                                              No altíssimo segredo
                                                              O nosso inteiro destino.

                                                              Tomar,
                                                              Onde a neblina,
                                                              Quando se forma,
                                                              É uma esfera armilar.


                                                              Eduardo Aroso
                                                              Poemas do Arquétipo