sábado, 30 de abril de 2016



A PRESENÇA ©


As mães regressam sempre
Se o tempo nos vacila
E parece desprender-se do coração.
Vêm como um regaço
(A manhã que ainda dura)
Ou numa vertigem,
Doce repouso
Da lua brilhando
Na noite escura.

As mães regressam sempre.
Criam-nos a pulsação
E dirigem-na à distância
Ou na fala apetecida e umbilical.
E mesmo quando tardam
Vemo-las na hora
Mas difícil da nossa respiração.

Eduardo Aroso ©
2016



quarta-feira, 27 de abril de 2016

DO NOSSO TIMBRE

 As vogais são a flor da Língua. As consoantes são o apoio lançando o som puro (vogais) e sustentando-o, do mesmo modo que o jogador de ténis-de-mesa impele a raquete que batendo na bola a projecta no espaço. A perfeição vocálica, qual harmonia da música, depende muito de um espaço de ressonância. Observamos que o palato humano tem uma configuração idêntica a uma abóbada de um templo, e no seu microcósmico funcionamento ensinam os professores de Canto que a utilização do palato é uma técnica fulcral.
Considerando geograficamente o assunto da ressonância podemos observar (escutar) o fenómeno, por exemplo, num desfiladeiro, ou entre terra mar, quando o som das ondas encontra espaços vários e aí ressoa, combinando-se também com outros sons da terra, sendo certo que espaços amplos tendem a prolongar o som. Este, pela natureza dos objectos com os quais se cruza (e é claro também pela natureza do emissor) produz o timbre, um dos elementos essenciais da música, e que depende essencialmente da natureza dos materiais e do modo de obter o som. Ora, tal como as ondas ao longo da costa, em vários contornos, também as vogais emitem-se, prolongam-se, fluem e refluem, eventualmente mudando em subtis nuances o seu timbre. Assim tem sido ao longo de séculos, à imagem das “ondulações” do canto gregoriano nos claustros e abóbadas dos templos.
 Agora uma pergunta: o leitor já imaginou o que seria se todo o som produzido ao longo da nossa orla costeira de repente deixasse de se ouvir? Certamente notaríamos uma estranha sensação – fenómeno nunca sentido – da ausência do nosso som, do nosso timbre natural, realidade a que não damos atenção consciente no dia-a-dia, do mesmo modo que não sentimos directamente no equilíbrio do corpo os ininterruptos movimentos de rotação e de translação da Terra na sua divina marcha.

Eduardo Aroso

2013

domingo, 24 de abril de 2016

ALERTA MÁXIMO

É este o nome da flor.
E não te iludas com sinónimos
Que borbulham
Ao nosso brando consentimento
Que pisa a terra ou o asfalto.
A cor vegetal
Dessa espécie rara
Que se chama Portugal
Sobe lenta
E às vezes em sobressalto
Pela parede do tempo.

Eduardo Aroso
Abril, 2016


quarta-feira, 20 de abril de 2016

PORTUGALIZANDO (3)

Quando os USA nasceram como nação já sabiam que poderiam ser uma espécie de senhores do mundo, porque puderam ver que, com Lutero e Calvino, não seria possível uma Europa una, como recentemente se tem incutido, pois se pela religião se dividiu, pela moeda – bem mais perto da cobiça – mais facilmente se  desmoronava. Considerando a ciclicidade da vida, a uniformização político-económica que Bruxelas tem pretendido fazer na Europa é muito mais nefasta do que, com certas imperfeições, a presença da unidade católica medieval na Europa.

Hoje, o Estado de direito, último reduto para salvar um tipo de democracia desgastada, num jeito de justificação de consciência, não tem impedido uma descarada ingerência na soberania das nações, ao ponto de, em tão pouco tempo, lhes ter provocado os maiores danos. Ouçamos Agostinho da Silva que escrevia no tempo em que se davam vivas à “Europa unida”: «Uma economia que, solicitada pela necessidade de mobilizar grandes capitais para organização do comércio e mais tarde da indústria em larga escala, põe completamente de parte o princípio de lei mosaica mas principalmente de fé cristã de não deixar que irmão empreste a irmãos com o pensamento no juro» (…) «quebrando a unidade do cristianismo, impedindo que mais cedo tivesse o catolicismo, como lhe compete, abraçado o mundo inteiro, e produzindo o capitalismo, o comunismo na sua forma actual, a ciência sem moral e uma técnica que, louca, se enamorou de si própria (...).

Afinal, irreversivelmente, pese embora os benefícios que o protestantismo trouxe pelo desenvolvimento científico e tecnológico, a verdade é que a Europa optou por Lutero e Calvino. A este respeito ainda Agostinho da Silva: «Calvino vai ligar num sólido feixe lógico uma ciência sem fraternidade, uma economia sem fraternidade, uma religião sem fraternidade. A religião que, depois de ter pregado a volta do Evangelho, queima Servet e manda esmagar em sangue a evangélica revolta dos camponeses alemães».

Hoje, como sempre, faz comichão a muitos a realidade histórica de a essência de o povo lusíada ser de cariz universal!

Eduardo Aroso,

20-4-2016

domingo, 17 de abril de 2016

PORTUGALIZANDO (2)

O verbo significa, antes de mais, aceitar Portugal. Quanto ao sentido de aceitá-lo, seria ideal aquele que alguns psicólogos de índole espiritual entendem como tal, isto é, não uma aceitação passiva e fatal, mas numa atitude de não fuga ao que se deve enfrentar, seja de que modo for; tomar o assunto como ele é, inevitável ponto de partida. A dificuldade porém está em saber aquilo que se é, e se Portugal é, será por uma razão maior, a que já se tem chamado missão, mistério ou enigma. Porque o desdobramento (mais ou menos inconsciente), tem sido um caminho onde muitos se têm empenhado, podendo não saber para onde vão.
Tem havido uma espécie de renegação de Portugal, atitude interiorizada como trauma por aqueles factos e episódios dissonantes da nossa história, como a expulsão dos judeus e a inquisição. Este estratificado renegar não é outra coisa do que Leonardo Coimbra expressou num frase lapidar: «Faça cada português as suas pazes com Camões».

Eduardo Aroso,
15-4-2016 

sábado, 16 de abril de 2016

PORTUGALIZANDO (1)


Sob penas de cairmos em tantos desvarios, de cujos exemplos o mundo ocidental abunda - quando o retrocesso desafia - não deve o ser humano em trânsito afastar-se muito daquele ideal que Álvaro Ribeiro propõe e que é título de uma das suas obras mais fecundas: A Razão Animada. O caminho apenas por um dos lados constitui perigo iminente, sobretudo para aqueles que querem «tomar o céu de assalto». Perigo ante a «cisão extrema» de que fala José Marinho numa das suas obras mais representativas do seu pensamento, o que levou António Telmo a dizer (quando se deu à estampa) não ainda ter chegado o tempo para a hermenêutica como convém. Sobre a razão e a alma afirmou Agostinho da Silva que «o perfeito amor exige vigorosa inteligência». 
Ora nesta visão ou (re)união de (aparentes) opostos, e antevendo o cartesianismo, surgiu no século XIV, na Europa, uma figura misteriosa que utilizou o nome simbólico de Christian Rosenkreuz (Cristão Rosacruz) que certamente através dos Templários e talvez de outros impulsionou a ligação Ocidente-Oriente, onde as Descobertas portuguesas pontuaram de um modo incontornável, que só os inimigos de Portugal (fora e dentro) se esforçam por não ver. Alguém já disse que uma razão animada é como no ser humano fazer ponte entre o hemisfério direito e o esquerdo do cérebro. Se é forçado contrapor a essa dimensão geográfica Ocidente-Oriente - que inaugurou a era moderna - a razão e a alma, ou, talvez, melhor, razão/coração, não é incongruente dizer-se que o ser humano dá-se bem com o holos, e o seu fascínio pela unidade é, antes de mais, uma característica dos espíritos livres e pioneiros. 

Eduardo Aroso, 15-4-2016   

domingo, 10 de abril de 2016

EPITÁFIO

O sol levanta-se a ocidente;
Move-o outra iluminação.
É um Cristo-Rei
Vestido de sem-abrigo.
Uma coluna pétrea
Desfaz-se em oração
De santo e plebeu.
E lê-se nas águas do Tejo:
Aqui jaz Portugal
Que ainda não morreu!

Eduardo Aroso
(Terra da Serpente, aos 7-4-2016)


segunda-feira, 4 de abril de 2016

EMOTIVA FORMA MUSICAL

Só conheço uma Fuga
Em que afino inteiramente.
Com um qualquer diapasão
Soa a música incompleta
E o andamento monótono
Com timbres de solidão
Seja LÁ, no SOL,
Ou aqui no DÓ é sempre dor…
Mas se fores tu a dar o tom
É a melodia predilecta
Fica a Fuga em Mi (m) Maior!

Eduardo Aroso
2016