quarta-feira, 28 de setembro de 2016

«NÃO VOS DISSE ESTAS COISAS DESDE O PRINCÍPIO, PORQUE ESTAVA CONVOSCO» JOÃO, 16:4

A Esperança existe, mas deve ser tomada de onde se requer. O fim de um ciclo histórico - seja universal, seja o que a nós portugueses respeita – não é terreno favorável a um pensamento que possa, antes do tempo, (re)erguer o que ainda declina. Pensamento que, por mais encorajador e profético, não pode fazer da manhã o que é entardecer. Apenas o que move o pensamento pode gerar o imprevisível, sendo então o pensamento “da mesma carne” que o abscôndito princípio que ditou o Logos. Morder a cauda provoca essa espécie de escuridão bíblica apocalíptica, em que num breve espaço de tempo tudo se escurece, para depois raiar de novo a aurora do Criador.
Um filósofo hindo-brasileiro de pendor místico disse há alguns anos que “este é o tempo dos atrasados». Uma afirmação tremenda de verdade, que, ao contrário do que parece evidente, explica o crescimento da banalidade, a ascensão da mediocridade como paradigma, tudo isto dando o crescimento do mal. Nenhum homem de sabedoria se escuta nos média, numa conversa de café ou de clube recreativo de bairro.


Eduardo Aroso, 28- 9-2016

domingo, 25 de setembro de 2016

ü     DA CONSTRUÇÃO DO TEMPLO (1)

A pedra mais sólida do templo é a que se coloca em amoroso silêncio, como o luar mais límpido se espelha num lago na quietude nocturna. É a própria luz, e não uma voz troante, que mostra o que se deve mostrar. O acto diário de ser, o gesto simpático que tantas vezes ilumina o outro como um voo de ave no céu, isso é também a construção do templo. Fazer o melhor que é possível aumenta sempre a auréola do templo. Porém, o que lhe dá a fortaleza contra tempestades súbitas do mundo e os efémeros gostos de cada época, é o sacrifício consentido de uns tantos, soldados e generais em simultâneo, talhando as directivas e logo fazendo, pois, como disse um poeta «o esforço é grande e o homem é pequeno».
 A construção do templo, seja o de cada um, vestimenta luminosa do corpo-alma, seja um outro mais amplo daqueles que voluntariamente não abandonam a seara do Senhor, Servidores Invisíveis do Arquitecto-Mor, segue sempre o seu percurso como a marcha do tempo, mesmo na apatia e desconforto de alguns dias, ou se a escuridão momentânea se abate sobre os braços vigilantes dos obreiros. Permanecer é um sentimento de certeza de que aquilo que se ergue nenhuma erosão desgasta e nenhum falso profeta ousará aproximar-se onde a luz da verdade e do amor queima a mentira.

Eduardo Aroso ©
Equinócio de Setembro, 2016


quinta-feira, 22 de setembro de 2016


A VISITA DO AMADO SENHOR ©

Esta é a tua casa, Senhor,
A que reconstróis a cada ano
Com a cal mais luminosa
Luz sobre o nosso viver insano.

Este é o teu gesto, Senhor,
Que basta para nos suportar.
O teu regaço seguro e manso
Que nos faz no espaço flutuar.

Quando regressas em Setembro
Para nós tardes mais calmas,
Despedidas de folhas melancólicas
Mas há primavera em nossas almas.

À janela bem aberta da ansiedade
Olhamos o céu de dentro e o de fora.
Entra Senhor, a casa é Tua
Desgastada por nós a toda a hora.

A porta, Senhor, nunca fechada,
Tu mesmo a abriste sob escolta
Da turba de algozes esquecidos do Pai,
No Teu amor-doloroso do Gólgota.

A porta aberta de par em par
No umbral uma humilde oração.
Nada mais temos para receber-Te
Do que singelas flores do coração.

Eduardo Aroso ©

9-9-2016

sábado, 17 de setembro de 2016

DA ESFÍNGICA INTERROGAÇÃO ATLÂNTICA

«Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado»
Mensagem, F. Pessoa

Por que é que o nosso olhar desafia a Esfinge? Se esta, nos confins do deserto do Saara, olha persistente e inamovível o oriente, Portugal fita o lugar onde o sol se põe, tão bem lembrado por Unamuno e por Pessoa.  Fitar o ocidente, que é como quem está perante o fruto maduro de mais um dia, ou de um grande ciclo histórico, o que, pela analogia,  adensa o mistério, pois em matéria de simbologia pode levar-nos a outras visões.
Se a Esfinge formula o enigma da vida e da morte, o que é consequência do Portugal das Descobertas, o lusismo ou lusofonia que «falta cumprir»,  interrogando o ocidente, pode muito bem desafiar a síntese de muito do que tem sido a História. Se Portugal não pode representar o que é de outras nações, fez-se por sua natureza liame para ainda celebrar o bodo da mesa fraternal, comunhão universal que clama por ser.
Nessa síntese, que é como diz encerramento de ciclo, abre – paradoxalmente no vazio – o espaço do novo, seja já «a madrugada irreal do Quinto Império», seja, noutro nome, «A Nova Terra e os Novos Céus». A esfinge que, na nossa imaginação, se senta no ponto mais ocidental, o cabo da Roca, olhando o Cruzeiro do Sul, se no arquétipo universal é a mesma do Egipto, no Plano da Manifestação pode ser a esfinge atlântica que, ao invés, de interrogar viajantes e marinheiros sobre o enigma da vida e da morte, o faça sobre o sopro que atravessa a Esperança. Se o oriente é já o sol nascente, imagem do acontecer, o lugar onde desce o astro-rei é o da Esperança do regresso, não de modo sebástico e incerto, mas já na certeza intocável do Amor criador diário. «Verei o Criador nas criaturas», como sentiu e escreveu Frei Agostinho da Cruz, parece ser o repto lançado a quem, por água ou pelo ar, cruza o oceano, numa atitude que ultrapassa o imediatismo de Deus ser brasileiro ou macaense (!). A esfinge atlântica talvez peça a senha da palavra poética como graça para a fraternidade das criaturas.

Eduardo Aroso,

Lua Cheia de Setembro, 2016 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

OUTRAS TORRES

«Nada ofende mais os deuses do que a arrogância dos homens» dito da antiga Grécia. 

As torres de babel constroem-se sempre com o afã de que são para sempre. Porém, à medida que se sobe nos andares, com o aumento da confusão total - característica da sua existência – os seus habitantes ficam insuportáveis uns com os outros e pela lei da sobrevivência do comando das operações, chegam a praticar uma espécie de antropofagia. São construtores equivocados cuja massa de construção é o suor alheio e na ilusão de que se pode falar de um modo e ter uma prática contrária.
A tal faca que na política está sempre preparada é a mesma que pode meter artigos na imprensa e na televisão, ocupando o espaço legítimo também de outros. São mais essas facas do que as muitas que se vendem nas feiras de Portugal. As torres de babel existem por todo o lado e nas mais variadas formas. Mas quando chegarem os respectivos vendavais, pois a Natureza é justa no tempo certo e não no calendário feito pelos humanos, o povo é que é chamado para tirar os destroços.
Fica o vazio como aquelas cidades chinesas de agora que não têm ninguém, ou como aquilo que se conheceu por efeito de Detroit, ou, como entre nós, se ergueram as torres de babel de cor esverdeada que são os eucaliptais.

Eduardo Aroso, 13-9-2016 

domingo, 11 de setembro de 2016

A PEDRA DE SÃO CAETANO ©

A pedra dava para todos.
Havia a fome dela,
Digo de estar com ela.
Apetecia no Verão
Porque nem o calor lhe tirava
A frescura do diálogo.
As mortificações do dia
À noitinha
Todas vinham ali dar
E tudo se sabia.
Era o fórum sem contemplações
O pacto do negócio
Assinado pelo aperto de mão
Na palavra incrustada no fundo sagrado do carácter.

Eduardo Aroso,©

 11 de Setembro de 2016

sábado, 3 de setembro de 2016

INICIAÇÃO

Desentranha a viagem
Como se a visses ao microscópio
Ou mesmo na nostálgica luneta de Galileu.
O segredo é oculto e vertical.
A ida e o regresso
São as duas serpentes
Que fazem o caduceu.

Eduardo Aroso
Setembro, 2016



sexta-feira, 2 de setembro de 2016


A recepção do sol como terapia, sendo benéfico quando há certa inclinação da sua luz em relação à terra, assemelha-se ao entendimento da verdade pelo ser humano comum: se ela lhe caísse em cima, como o astro-rei à hora do meio-dia, talvez não aguentasse tanta força... Claro que o boné ou o protector solar será todo o percurso do pensamento que leve à realização espiritual.
Leia-se também como Eudoro de Sousa aborda o Mito de Psique na sua obra «Quem vê Deus, morre...». Lisboa (s.n.), 1947 (Separata do número cinco da revista "Atlântico".

   
Eduardo Aroso, 2-9-2016