terça-feira, 27 de novembro de 2018

ANTÓNIO TELMO E O SENTIDO DO ESOTERISMO OCIDENTAL

«O movimento da filosofia deverá consistir, pois, não em fugir para um mundo suprassensível, mas em tomar consciência da imensa força na qual vivemos e somos, - em encontrar o dissolvente universal. (Arte Poética)


O declínio da Palavra no ocidente tem sido a causa maior da ilusória busca do orientalismo espiritual não só como rápida panaceia para os males da sociedade do apogeu do consumo material, como também para uma via espiritual por excelência dos pensadores que esgotaram a sua exegese mais profunda no seio das igrejas. Seja por uma rápida atitude, como quem já não vai a Fátima, para querer peregrinar por outras bandas, seja na busca de razões para entender o chamado renascimento ou reincarnação ou mesmo esse ignoto sentido do silêncio como alicerce de toda a Criação.
 No primeiro caso, vemos a profusão de incensos em cada esquina, ou posturas corporais (quantas vezes chamando yoga ao que não é yoga), mas que prometem um quase imediato adiantamento da alma. Tem sido este o refúgio de um mundo que, tirando vantajosamente o pó que vinha acumulando, condicionou-se entre as hostes marxistas e os corredores jesuítas.
 A proliferação de inúmeros livros de auto-ajuda parecem ter esquecido a máxima helénica «conhece-te a ti mesmo», porque também ao declínio da Palavra corresponde um preocupante afrouxamento da vontade.
A desesperada busca do silêncio (desesperado acto também da (re)ligação à Natureza perdida), se é verdade que lhe confere a essência sagrada habitante no caos como possibilidade de tudo poder-vir-a-ser, de outro modo não pode ser o refúgio ilusório ocidental onde se tentam ludibriar os traumas que a adulteração da Palavra (quando não profanação) tem trazido. Uma abordagem mais exigente entre nós, na busca de insondáveis gnoses que ultrapassem academismos e ortodoxias enxertadas, parece ter esquecido a tradição templária e o sinal da Rosa que foi colocado no Convento de Cristo de Tomar, ainda antes dos primeiros Manifestos Rosacruzes surgidos na Alemanha. A rápida divulgação do budismo no ocidente e de um modo específico em Portugal, curiosamente apetecido por algumas classes cultas e de jovens, pese embora a sua inquestionável condição benigna de remeter o ser humano para a sua essência, sendo por isso o ideal para muitos ocidentais, não vem esclarecer mais o silêncio que os frades medievais, para os quais o céu era mais que o nirvana onde as almas se dissolvem num incognoscível Absoluto.
Por tudo isto, o filósofo António Telmo, também ele leitor atento de Bergson, não poderia deixar de alertar para o movimento da filosofia que preconiza a exaltação da Palavra indispensável à expressão do pensamento. «A gnose hebraico-portuguesa distingue-se da gnose oriental valorizando a palavra sobre o silêncio, procurando no silêncio, não o pensamento que se torna inefável, mas o pensamento que se transforma em palavras que iluminem as trevas em que vivemos» (A. Telmo, conferência, 1996).
Na verdade o Génesis consagra o Verbo como supremo agente do mundo, justificando-o nesse mistério. Milhares de anos depois, João, o apóstolo amado, abre o seu imortal evangelho com a chave do Verbo, pormenor que não escapou ao autor dos chamados Painéis das Janelas Verdes, no que é tido como o painel do Santo, com o livro aberto no intróito desse evangelho, porventura o ponto focal de toda a obra, pese embora o panorama holístico que nela colhemos. Ferir ou romper o silêncio é o acto mais sagrado que só a Palavra pode fazer. No mundo ocidental (porventura todo ele agora que está sob o olhar atento da Besta) o poder temporal, no declínio da Palavra, promete a salvação, a curto prazo, para quatro ou cinco, no contraponto ao poder espiritual que no fim desta vida promete a salvação, quiçá a vida eterna.
 Se o silêncio é prioritariamente condição de chegada, então a Criação do mundo não tem servido para nada, como se o ser humano voltasse ao caos, uma espécie de “posição fetal”, porque o sentido da Manifestação foi acentuado pelo Verbo com os seus múltiplos efeitos. O pensamento abstracto só faz sentido quando se sabe o que é o pensamento concreto.

Santa Clara (Coimbra) 27-11-2018
Eduardo Aroso©

sábado, 17 de novembro de 2018



«FÁTIMA E A CULTURA PORTUGUESA» de Miguel Real

«Sente-se, logo existe (…) a Presença, porém, basta-se a si própria como explicação e justificação. E como fundamentação» (página 51)  


O título da obra não induz ninguém em erro, qualquer que seja o pensamento de cada um sobre tão problemático tema, pois o autor, ao contrário de muitos outros, ao escolher tal designação não vem, afanosamente, defender uma tese pessoal. Miguel Real, numa visão omniabarcante do pensamento ao longo da história (como ele superiormente sabe fazer e tem o mérito de expressar), empenha-se em situar o fenómeno das Aparições na cultura portuguesa desde o passado mais ou menos remoto até ao que se projecta na nossa contemporaneidade.
O autor debruça-se bastante sobre o período que vai do final da monarquia e ambiente da república (1910), percorrendo-a e sublinhando mormente a época fracturante do sidonismo, chegando ao salazarismo e ao actual regime democrático. Se o caudal de informação, onde notamos a vastíssima bibliografia lida por Miguel Real, apresentando passagens elucidativas, o que por vezes nos parece excessivo (como se o autor quisesse quase abordar outro tema), o certo é que no último capítulo da obra se percebe tal necessidade, para assim situar, como é jus, os acontecimentos da Cova da Iria na linha da história, da religião, da própria igreja católica (em face até de outras) de algum modo da sociologia, e sobretudo da nossa condição mítica e iniludível genética transcendental. Algumas sínteses deste livro poder-se-iam aqui apontar, mas, por conveniência de brevidade, dir-se-ia que, sendo óbvio que o fenómeno da Cova da Iria não se insere numa lógica racional, ou pelo menos racionalista, ele obedece necessariamente a outra lógica em que a sua justificação não assenta tanto na argumentação, mas essencialmente na peculiaridade de todo o processo português (se quisermos desde Ourique) providencialista e mítico, com toda uma sintomatologia do transcendente que há em nós. Se existe (ou veio a existir) uma relação alterada no triângulo Aparição/Visão/Manifestação (ou o que quer que tenha sido) Igreja e Estado, permanece o enigma na continuidade, que pese embora o palco mundanista hoje montado para o efeito, ele não apaga a realidade subterrânea de Fátima que todavia persiste. Do que disse também o Professor Moisés Espírito Santo, em «Os Mouros Fatimidas e as Aparições de Fátima», vê-se que essa realidade subterrânea teve provavelmente a sua génese nessa região, mesmo antes da própria fundação de Portugal, pelo que 1917 seria outra manifestação moderna, quem sabe se do Inominado.

Eduardo Aroso ©
16-11-2018