quarta-feira, 24 de abril de 2019



    45 ANOS A FAVOR E CONTRA A CORRENTE

 «Mansa colmeia a que ninguém colhe o mel» (Miguel Torga)


Quem quiser apreciar a obra que deveria ser de fundo do pós 25 de Abril, viaje pelo INTERIOR do país. Digo o pós, porque o 25 foi na verdade a devolução da liberdade e garantia de uma Constituição democrática. O que se tem feito pelo verdadeiro desenvolvimento em terras do chamado «Portugal profundo» durante cerca de quatro décadas, nada deve aos sucessivos governos centrais, mas ao empenho daqueles que (descontando-se o “caciquismo” que há em todo o lado e as verbas obrigatórias tipo «migalhas para pobres») ainda sentem o «locus», o sangue dos antepassados naquelas terras e, claro está, a sensação aguda de que ou se mexem a sério ou ficam a perder.

Um pouco no cansaço do tempo do homem de Santa Comba, pese embora a diferença qualitativa (felizmente), os discursos das cerimónias oficiais soam hoje cheios de cansaço, numa atmosfera europeia também cansada. Não porque a liberdade, democracia e pluralismo, não tenham todo o sentido. O problema é dos vícios arreigados – que o povo sente inconscientemente – que não deixam acreditar e que não têm permitido o progresso estruturado e estruturante. Esta, sim, a verdadeira revolução e não outra com mais ou menos golpes que puxam para trás e, como a História ensina, fazem depois dos “revolucionários” caricatos “pseudo-conservadores”.

 Na verdade, vivemos na «sociedade do cansaço» como diz Byung- Chul Han. O idealismo de vultos notáveis que se criou e que lutou durante a ditadura do Estado Novo, perdeu-se no momento em que a liberdade cívica e política foram devolvidas aos portugueses e logo começou uma certa “ditadura” que emanava da EU. Foi uma soberana oportunidade perdida. A quebra desse idealismo português já anteriormente se havia notado na passagem do 31 de Janeiro de 1891 para o 5 de Outubro, e no novo regime logo tristemente reduzido a querer mais Europa e mais verbas. O trabalho maior estava ainda por fazer, na bela manhã do dia 25 trazendo a POSSIBILIDADE de tal. O 25 de Abril (devido em boa hora aos militares e a mais ninguém, pois o resto é do tipo ”cereja no bolo”) foi uma possibilidade que democraticamente se foi cumprindo no que foi, e não o sonho no postal ilustrado que correu mundo. Podemos compará-lo a uma boa terra, que foi bem lavrada e prontinha a semear. O resto era com os sucessivos lavradores… Por isso, vigiar sempre quem vai amanhar  a terra!
Hábitos e mentalidades persistem por muitos anos e só com ideais fortes e lutadores preparados se avança. A distorção que Salazar (por falta de inteligência) tinha de Portugal foi substituída por quem se  desinteressou pelo país, coisa que já no seu tempo F. Pessoa dizia: «São portugueses porque, por desgraça nossa, nasceram adentro da nossa fronteira».

 Quem olha hoje para a Assembleia da República, para os meios sindicais e partidários e até para os desejados movimentos de cidadãos (que quando surgem são logo captados) vê que os vícios do antigamente persistem, desde a burocracia, a compulsão para o imposto e a taxa, o gosto pela gorjeta, o ganhar “a meias” (ou o dividir por mais alguns), os estranhos meandros da justiça, o deixa-andar…Hoje estamos melhores (tortuosamente melhores, mas estamos melhores) que no tempo em que muitos foram esturricados no Tarrafal pela Pide e uma professora tinha que fazer um requerimento ao Estado para casar com um professor (!)

No entanto, as “abelhas” dos pinhais e das serras interiores, vivem hoje cheias de solidão, com televisões, internet e estradas de alcatrão, e com cada vez mais Lares de idosos, que são hoje os monumentos nacionais de vilas e aldeias. Cá fora sopra o vento da solidão nas casas sem ninguém. A «mansa colmeia» já não pode ser mais do que isso, até porque descende dos brandos costumes. As “abelhas novas” escasseiam e, pelo jeito, não se indignam mesmo quando a velha capital do império ainda não perdeu o hábito de carregar com os idos impostos da pimenta e o marfim…

Eduardo Aroso
Abril 2019

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