quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020



«O TERROR DO IDÊNTICO» E A PARALISAÇÃO DA ALTERIDADE

«Hoje, a rede transforma-se numa caixa de ressonância especial, numa câmara de eco da qual foi eliminada toda a alteridade, toda a estranheza. A verdadeira ressonância pressupõe a proximidade do outro (…) A comunicação global consente somente mais idênticos – ou os outros na condição de serem idênticos».

Perante este excerto de Byung-Chul Han, acode logo à nossa mente a multidão de comentadores televisivos e outros que, tantas vezes, parecendo diferentes, fazem parte do grande exército entre o qual - sob pena de ser excluída - não se levanta a voz da verdadeira alteridade, que cause estranheza, porque se isso acontece logo se lançariam as farpas da intolerância sobre quem exprime «o pensamento que pensa». É o instalado “politicamente correcto” que vai da área da governação à arte; da ciência académica (também com o seu mainstream próprio), ao mundo da moda. Cabe, antes de mais, distinguir (e corrigir) ambiguidades no presente de «radicalismo» e «extremismo» e mais ainda de «fanatismo». O primeiro, tão necessário, aborda os assuntos desde a raiz (radix); o segundo tende a afastar posições que, numa perspectiva de conjunto e em espiral, podem ser abordadas numa visão de conjunto. No fanatismo parece não existir qualquer forma de razão. Movemo-nos assim nesse ambiente da avassaladora tendência de gostar extremamente, emocionalmente, daquele e não do outro, ainda que no fundo possamos - oh, quantas vezes sem o dizer -  encontrar verdades nos dois lados. O panorama dos comentários do facebook não deixa dúvidas, onde a voz da alteridade, mesmo em assuntos comezinhos, ou é bloqueada, ou a alteridade (que exige paciência e tempo, é certo) morre à nascença. Talvez no receio de insegurança, e por isso interiormente fragilizados, aderimos a um ou outro lado, duas hipóteses que não suportam a estranheza, o "espanto" helénico perante o que não passaria pela cabeça. Ficamos assim na dualidade sem remissão, no labirinto da interdisciplinaridade, onde ainda não entrou réstia de sol da transdisciplinaridade.

Eduardo Aroso
Fevereiro, 2020

domingo, 16 de fevereiro de 2020


O SILÊNCIO DE TÂNATUS©

Nunca se ouviu dizer ao homem
que o mandassem para o outro mundo.
A terra era a sua vida e um dia, sim,
 -gracejava ele - a terra
teria que o engolir de vez.
A lavoura era o seu sustento
portanto o pão fresco da vida.
No cabo da enxada
o osso mais duro,
e o orvalho onde punha os pés
repassa as botas até à carne.
Logo que nasceu
o destino ditou-lhe o testamento:
seria de sol a sol
e nas noites, fosse verão ou inverno,
do seu quarto veria as estrelas
por um buraquito do telhado
que nunca chegaria a ser forrado
nem que fosse de fasquia barata.
Nunca se ouviu dizer ao homem
que queria morrer.
A terra era a sua vida
e de que modo a vida
podia dar ordem para matá-lo,
salvo a cachaça da manhã
um comprido insignificante?

Não foi preciso autorizar a terra
E agora ele tem a terra e a terra tem-no
Consentidos uns sete palmos.
A misteriosa ordem da vida
é que sorri do amor cumprido.

Eduardo Aroso©
16-2-2020

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020



AGOSTINHO DA SILVA (13-2-1906/3-4-1994)

Os leitores ocasionais da Agostinho da Silva poderão ser agradavelmente surpreendidos por frases soltas e pequenos textos que aparecem com frequência no facebook. Todavia, a mensagem do seu ímpar pensamento só se encontra, como é óbvio, na leitura da sua obra, nem que seja na tríade mínima constituída  por «Reflexão», «Aproximações» e «Educação de Portugal». Certo é que o pensamento de Agostinho – eivado do melhor do nosso passado e rumo a um futuro sem reservas – é dentro do amplo contexto do movimento da filosofia portuguesa que deve ser procurado, numa hermenêutica dir-se-ia de causa-efeito no que se refere à Escola Portuense e aos seus mestres, onde se cruzou com Leonardo Coimbra e Álvaro Ribeiro, entre outros, ao que se seguiu o convívio com alguns discípulos, onde se destaca António Telmo que, com ele, leccionou na Universidade de Brasília, e em cuja fundação participou Agostinho. Mestres outros, de outras estirpes, como os que o filósofo aponta na sua magistral «Reflexão», sejam também os pescadores, os faroleiros, mineiros e até «com um pulo além do mar, os vaqueiros do Nordeste (…), os paulistas de usina e cafesal, os boiadeiros e colonos de Mato Grosso».

Só desta maneira, na visão inteira de Agostinho da Silva no seu inteiro pensamento que a cada momento apela ao Homem irrepetível e criador na sua essência, não há equívocos quando, por exemplo, diz que «o Homem não nasceu para trabalhar.

Eduardo Aroso
13-02-2020