quarta-feira, 22 de julho de 2020


A QUESTÃO DA CIDADE LUSA©

Não sei para que lado olha
com seu rosto de Janus
esguio e hesitante.
Cá por baixo não se vê o Torga
circunspecto a entrar no consultório.
e o Tatonas sumiu-se da Praça da República.
As musas descem as monumentais
para estranhos concílios femininos
de calças rasgadas, convocando Eros
de olhos fechados à estética.
Nas lições de sapiência
mete-se cuspo nos dedos
virando as folhas de trás para a frente
e também ao contrário…
Às vezes há uns zunzuns
de cadeiras rolantes
mas sempre ocupadas.
Lá em cima não há Largos
com o nome de Bota-Abaixo.
A colina tem os seus quês
e o som não chega à Sé Velha
para a presença na serenata.
Galos de Barcelos descem pela Porta de Barbacã
e nas montras com objectos de cortiça
fazem coro e assim tudo «tem mais encanto».
Belezas a cidade tem;
a urgência é cuidar delas
como fazem as mulheres enquanto é tempo.
Os bons livros arrumados nas estantes
não os podemos esquecer.
Em cada esquina às vezes encontra-se um amigo,
então o tempo fica sem passado nem futuro.
A última varanda da cidade
está suspensa não sei onde.
Que é feito das colchas da saudade
que pendiam latejantes das janelas?
No rés-do-chão da Portagem
há esquerdo e direito.
Mas foram-se os recados que havia
entre o Montanha e a Brasileira
e nem falo de Santa Clara
Onde os Crúzios iam deitar os seus despojos…
Agora a Rainha pouco mais conforta
(a devoção é bi-anual)
além de turistas e dos confrades
à cata da gastronomia.
Há quem saiba o que a Rosa vale
(metafísica feliz de minorias).
A cidade tem micro-clima:
quando se espera sol
está sempre nevoeiro!
Falta muito para andar,
em cada canto há uma surpresa
qualquer coisa para cuidar.
«O que faz falta» parece ser
uma coisa que já não tem a malta!

Coimbra, 21-7-2020
Eduardo Aroso©