A IGREJA ANGLICANA E A IGREJA LUSITANA
Um dos poucos actos históricos louváveis que eu conheço da história da
Inglaterra foi, para o bem e para o mal, o de não se ter sujeitado à Igreja de Roma, ficando assim a olhá-la de outro modo, graças a Henrique VIII. Ao que consta pela submissão
(discutível ou não) a Ana Bolena, camareira da Rainha, muito embora este
episódio palaciano já viesse depois do nosso de Pedro e Inês, este de contornos
mais elevados. Perante a negação do papado em reconhecer a ligação com Ana
Bolena, o rei fez o que fez. Seja como for, o acto viria a influenciar
poderosamente os destinos da Inglaterra porque a criação da Igreja Anglicana,
olhando de soslaio para Roma, deu logo origem a esse extraordinário espírito de
nome Francis Bacon que levaria o pensamento do seu país a libertar-se da “via
única”, ou seja, da escola aristotélica que durante séculos norteava o
Catolicismo.
Pascoaes e bem assim outros
antecessores remotos falavam numa Igreja Lusitana, uma ecclesia dir-se-ia mais
inclusiva que herética, bastaria para tal ver a relação D. Afonso Henriques com
as três religiões do Livro, espírito que continua, vindo a sofrer ruptura com
D. Manuel e definhando com D. João III. É sabido que a maioria dos monarcas
portugueses foram hábeis nas relações com a Santa Sé, firmes em algumas
circunstâncias, mas ao estilo brando de “saber dar a volta” cujo episódio maior
foi o da criação da Ordem de Cristo por D. Dinis, quando o facto foi acolher os
Templários. No final do século XIX e com o estranho apadrinhamento (!) da
Igreja Anglicana cria-se oficialmente uma Igreja Lusitana em Portugal. Só se
pode compreender este apadrinhamento baseado numa velha Aliança, mas que, no
caso, é incompreensível, pelo que também não se vislumbram influências desta
Igreja Lusitana no movimento da filosofia portuguesa, a menos que haja uma
Igreja Lusitana oculta, à semelhança do que se passa com a Igreja de Pedro e a
Igreja de João.
Assim, a tendência de uma igreja
verdadeiramente lusitana ou lusa, mais de emancipação do que de heresia, saiu
gorada, mas, tal como o Destino maior se tem que cumprir, desde cedo se firmou
o culto do Espírito Santo em Portugal com a Rainha Santa, porque entendemos
seja ele a verdadeira Igreja Lusitana, o nosso “anglicanismo” que muito tem influenciado
poetas, pensadores, artistas e outros.
Eduardo Aroso
Equinócio de Outono, 2020