quinta-feira, 8 de julho de 2021

            DA  CISÃO E DO ESFORÇO NOS LIMITES

«Analisar intelectualmente um símbolo, é descascar uma cebola para encontrar a cebola». Pierre Emmanuel, «Considêration de l´extase».

É iminente o acto de chamar à poesia o que ela não é, quando deixa de ser o helénico espanto e arrebatamento, o sublime como queria Schiller, ou se perde o poder de invocar e fica apenas na evocação. Abraçada a tendência para o poema curto – o que, diga-se, numa época em que o tempo se compra e vende, aproxima o leitor da poesia – parece perder-se o fôlego do autêntico poema longo que, deixando de manter a tensão do início ao fim, fica uma quase insuportável adição de versos descritivos.

Se é certo que a contemporaneidade avançou prodigiosa nas metáforas sem receios e as multiplicou agradavelmente, não deixa de ser risco que essas asas possam ser as de Ícaro. Representar a angústia existencial (filha da cisão pensamento/representação) com outra angústia, a de uma poesia que perdeu todo o símbolo e se abalança na ironia sem medida, que descasca incessantemente a cebola para encontrar a cebola, parece ser, no caso, uma “homeopatia” que deixa tudo na mesma. Para isso também concorre o leitor que, tantas vezes, entende mais verdadeira a sua leitura do que a mensagem do próprio poeta, evitando entrar na aura da sua palavra. No tiro ao alvo da facilidade é sempre muito mais fácil acertar…

Não tanto a de um paraíso perdido, ou de Deus que, como disse Nietzsche «morreu dentro do Homem» - essa angústia é mais próxima, e talvez por isso doa mais; semelhante à de quem perde a mãe, esse ser tão próximo de nós em tudo: a Natureza esquecida que, aos fins-de-semana se procura na praia e nos espaços onde, em todo o caso, se troca olhar o azul para além do azul  ou escutar o ritmo das ondas por um telemóvel. Se a metáfora é um prodígio do nosso tempo, ela serve sempre ao seu criador, sendo propulsão da sua poesia. A diferença é sempre a de ser cosmos ou caos, a de lamber o húmus das primeiras rebentações da terra e, de cima, olhar o labirinto. A beleza e angústia do nosso tempo anda no fio da navalha, mas nada receia se o prodigioso voo da metáfora tem pára-quedas. E se não for para voltar, que ao menos, embora flutuando no longínquo espaço, possa ser encontrada nos liames do sentido.

Eduardo Aroso©

7-7-2021