sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

ADVENTUS

         V

Ao artista Jorge Ulisses


A pedra tinha um destino por chegar.
Era também a sua natividade.
Moveu-a a mão que a vestiu 
do toque perfeito da forma.
Insuflou-lhe vida nas narinas
abriu-lhe os poros virgens
mas não separou a terra do céu.
Deixou-a inteira, um cosmos
a irmanar vida e morte
movimento e repouso
num corpo que extasia.
O sangue há que imaginá-lo
por onde se fez espaço de passagem.
Seria necessário Michelangelo
ter gritado a «Moisés» para falar?!

 Eduardo Aroso©

Dezembro 2022

domingo, 25 de setembro de 2022

«TALENT DE BIEN FAIRE»

 Em louvor da Ordem S.

 Não se trata do perfeccionismo filho da ciência das estatísticas de tudo pesar e medir - diminuindo infinitos - e desse “óptimo desempenho” cravado no subconsciente de quem, em consciência, sempre faz o melhor diariamente. A divisa da Ínclita Geração devia, hoje, levar-nos ao ponto de não-retorno, no que seria imperioso acontecer quando Pessoa escreve «O homem e a hora são um só». Construindo o bem e levá-lo ao ponto mais alto. Mastro do navio ideal, rota segura da planície ao cume. Aperfeiçoar até ao limite tudo o que vai no presente. A viagem quer-se calma e universalmente dirigida.

 Eduardo Aroso©

Agosto 2022

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A TERCEIRA (E ÚLTIMA) MORTE DE MIGUEL TORGA

 

No meu texto intitulado «A Segunda Morte de Miguel Torga», aqui publicado há cerca de dois anos, estava eu longe de imaginar que não seria a última! No mundo onírico o poeta (que deixara o seu corpo físico em 17 de janeiro de 1995) surgia-me triste por certos acontecimentos, mas com alguma esperança. Mas desta vez não foi assim. Na noite anterior ao corte dos plátanos do parque - por acaso ou não – tudo foi mais simples. Houve uma sintonia quase imediata no encontro, pois da última vez não estávamos bem cientes da difícil movimentação no mundo onírico.

 Agora, o escritor foi directo: - Olhe amigo, não volto a descer de mais acima para ver cenas e figuras tristes. Fiquei sem respiração e disse: - mas, estimado poeta, agora que o seu rosto consta nos autocarros, que existe a Casa-Museu com seu nome, enfim… Deixei-o continuar: - Sabe uma coisa? As melhores recordações que trouxe para este mundo são aquelas vividas para lá do Marão e outras, é claro, de outras terras onde o povo ainda mantém alguma coisa de si, mas não se sabe até quando. E se em Portugal  as cidades são labirintos e conflitos, as terras mais pequenas são desertos de abandono. É grande a diferença de uma camisa suada de alguém que anda de sol a sol, seja na terra ou em cima de um andaime, e a desses que só assinam decretos. Interrompi-o, com algum receio, dizendo que gostava do seu livro «Portugal», uma verdadeira geografia literária do país. O escritor, que nunca foi muito de risadas, manteve as faces imperturbáveis. Mas eu pude ler nos seus olhos o gosto que sentiu quando lhe falei nessa obra. Perguntei-lhe que imagem tem da cidade de Coimbra. -  Olhe, é tal e qual o mito de Sísifo: quando alguém empurra algo para cima, logo outros deixam cair ou empurram mesmo para baixo! E não se passa disto. Por isso a cidade está como está.

Fizemos alguns segundos de puro silêncio.  Despedi-me, dizendo que quer o poeta acreditasse ou não em anjos, neste mundo os seus leitores seriam uma espécie de anjos que guardariam a sua memória e a sua obra; os leitores, sim, e não tanto os que pegam nalgumas palavras da obra que nunca leram para as bandeiras das suas conveniências. Agora o poeta poderia assim partir definitivamente em paz para os reinos celestiais.  

Eduardo Aroso©

Equinócio de Outono, 2022

 

 

 

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

 Passo na rua principal da urbe onde o Rei fundador da nacionalidade quis viver e ser sepultado. Cruzo a cidade que se fez pela vetusta universidade que tem as suas irmãs em Oxford, Pádua ou Salamanca. Passo junto às montras com exposições de cortiça; das lojas dos preços de um euro. Entro nas livrarias cheias de best-sellers geralmente de jornalistas americanos, de atraentes livros de gastronomia, ou de tácticas militares à mistura com os programas salvíficos de economia.

Passo pela Ferreira Borges como cão por vinha vindimada, mas também sobre o inconsciente citadino que parece esperar por certa movimentação de placas tectónicas de energias estagnadas. Atravesso a ponte e vou respirar lá para os lados de Santa Clara. Onde estais vós ó filhos e filhas da Lusa Minerva para acudir à cidade?!

 

Eduardo Aroso

15-9-2022 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

 

 GOSTO DOS POETAS

 Que escrevem sobre (de) si, e não para o gosto dos críticos literários. Dos poetas que não têm a ilusão de serem “cavalos de fogo” de vanguardas, porque esses não se importam com isso. Rejubilo com aqueles que escrevem de tal modo que quando sentem com o fígado, não insinuam dizer que é no intelecto que se alinham os versos. E também dos que sabem bem que até Fernando Pessoa escreveu as chamadas redondilhas ou quadras populares. Louvo os poetas que não são apenas da sua época, mas neles - fado bem difícil ‑ atravessam todos os tempos. Gosto dos poetas que intuem os limites na sua ilimitada criação, os limites onde tudo cabe, desde a bosta de boi à coroa de louros. Gosto, enfim, dos poetas que, antes da compreensão, me fazem estremecer.

 Eduardo Aroso©

Agosto 2022

terça-feira, 5 de julho de 2022

A RAINHA SANTA ISABEL E A MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA

 

A Rainha Santa Isabel e Inês de Castro, duas figuras femininas que, apesar de tão marcantes e representarem arquétipos diferentes se tornaram míticas no verdadeiro sentido da palavra (pelas razões que conhecemos) não constam na Mensagem pessoana. As razões cabem apenas ao poeta, que não as explicitou (não tendo que o fazer), pelo que somente as podemos conjecturar. Todavia, o poeta glosa D. Tareja (Teresa) mãe de D. Afonso Henriques e D. Filipa de Lencastre mãe da Ínclita Geração. Ambas estão respectivamente na raiz da 1ª e da 2ª dinastias, do Portugal-matriz, interrompido em Alcácer-Quibir, logo dominado por Espanha e depois entrando numa espécie de “clandestinidade” sobretudo na segunda metade da 4ª dinastia e na subsequente república. 

 O facto das referidas mães constituírem pontos cardinais dinásticos, pode estar (ou não) na base da célebre carta que Pessoa endereçou ao Conde de Keyserling que, apesar da sua cultura, veio a Portugal (Pessoa parece tê-lo ouvido em Lisboa), dizer o que não somos, o que não fomos e muito menos o que podemos (poderíamos) ser. Na sua obra História Secreta de Portugal, António Telmo vê em Fernando Pessoa o «Rectificador» de muita coisa. Uma leitura atenta descobre como um livro ao mesmo tempo que oculta também pode desocultar um sentido que, necessariamente tomando razões fundacionais, nos pode fazer entender melhor que o óbvio muitas vezes não é o que parece óbvio.

Seja como for tudo isto, as devidas honras (e devoção) que prestamos à Rainha Santa que instituiu oficialmente o Culto do Espírito Santo em Portugal, que transformou rosas em moedas de oiro para pagar aos operários da Igreja de Alenquer, não deixa de estar num admirável contraponto com a (feliz) iniciativa de, neste dias, haver uma Guarda de Honra no Panteão Nacional, Igreja Santa Cruz de Coimbra. Quanto à Guarda de Honra, que existe todo o ano na Igreja de Santa Clara, é feita por Anjos.

 Eduardo Aroso ©

4-7-2022

Festas da Padroeira da Cidade de Coimbra

 

quarta-feira, 22 de junho de 2022

 

A Isaura F. E.

(na memória atravessando

a matéria e o tempo)

 

Até quando na ocidental praia

respiramos ainda o sonho rarefeito

pelo zimbório aberto da aventura?

Oh, triste contentamento descansar

tão-só na tatuagem das algas,

pois nada pode ser demanda

pela descarbonização das areias.

 

Eduardo Aroso ©

Solstício de Verão

Junho 2022

 

domingo, 12 de junho de 2022

 

 

A FAKE-NEW DA MORTE DE FERNANDO PESSOA

 

Dizem que foi em Novembro no ano 35.

Sem televisão, anunciaram-na nos jornais.

Mais tarde levaram os ossos para os Jerónimos

Ou… talvez de um anónimo entre os mortais.

 

Anos depois vieram as cátedras pomposas

Como se fossem metódicos anatomistas

Dissecando do poeta as múltiplas personalidades

Quando era apenas uma grande alma de largas vistas.

 

O Fernando, antes de tudo, uma excelente Pessoa,

Que sabia inglês para dar, emprestar ou vender,

Disse-me aqui ao ouvido que isso da sua morte

Foi quando as fake-news começaram a aparecer…

 

Eduardo Aroso©

Véspera de 13-6-2022

 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

 

LUÍS DE CAMÕES – ENTRE A FORÇA DA GRAVIDADE E A FORÇA CELESTE

 

«E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando»

(Os Lusíadas, Canto I)

 

A gravidade é uma das leis da física que mais facilmente entendemos desde os bancos da escola. A invenção do avião, não podendo anular essa lei, trouxe contudo a possibilidade de nós escaparmos, por mais ou menos tempo, a essa força que nos puxa para baixo. Segundo a ficção científica – que lentamente sempre se vai tornando realidade – é possível viver cada vez mais tempo no espaço.

Quando Camões se referiu à libertação da lei da Morte, apontava a possibilidade do glorioso caminho que, num futuro talvez distante, toda a humanidade pode trilhar. É evidente que não se trata de viver eternamente no corpo, mas da construção por cada um de uma espécie de “corpo vital de memória”. Construção ou libertação ultrapassando a não-memória ou a má-memória. Milhares de seres humanos morrem diariamente ainda nestas condições não realizadas. Raros se elevam, no tempo, nesse corpo ou auréola. Há também os que fazem batota, ou seja, os Ícaros que julgam ter asas (ou as compram na contrafação), que logo caem no chão derretidas pelo sol da verdade, no julgamento da História. Nestes últimos tempos, nas comemorações do 10 de Junho da velha Casa Lusitana, muitos Ícaros têm exibido a sua lapela, mas, ao invés dos aviões, não criaram propulsão. Ícaro caiu no mar Egeu; os nossos caem na costa atlântica ou mesmo em terra. As medalhas podem ficar. As asas, por serem de cera, é que se vão derretendo…

 10 de Junho

Eduardo Aroso ©

sexta-feira, 15 de abril de 2022

 

PIETÀ

 

Senhora que estais no corpo macerado

de todas as mães deixando as suas casas,

crucificadas também pelos caminhos

árduos do desespero fugindo dos algozes.

Se os vossos filhos ficam, lá fica a vossa dor,

se vão convosco vai a súbita incerteza

embebida em vinagre por pecados quais

dados em amargura neste tempo absurdo.

Pietà! Pietà! Vossos braços que tudo amparam

e se alongam tocando a vida e a morte.

Lágrimas assistindo impávidas na cruz

ao derradeiro calvário da civilização.

Latejam as horas como cravos

que vêm ao vosso regaço macerado

na espera ardente por um grito de aleluia!

 

Eduardo Aroso ©

Páscoa de 2022

 

quinta-feira, 14 de abril de 2022

 

Se Leonardo da Vinci captou, interiormente, o arquétipo da Última Ceia, vemos que todos estão do mesmo lado. Este pormenor é susceptível de ser bastante elucidativo. (1) Pese embora a chamada «doutrina social da Igreja», tema que para o presente caso não importa, ao contrário do que se geralmente se pensa de João XXIII, a reforma de “liberalização” da Igreja levada a cabo no seu pontificado, se trouxe comodidade à assembleia de fiéis, veio barrar o aspecto esotérico e iniciático da praxis cristã. Se não acabou, dificultou e dificulta cada vez mais essa via ao cristão, pois, por exemplo, o facto do sacerdote se posicionar voltado para a assembleia, obriga-o a estar de costas para o oriente, ponto cardeal para onde TODOS se voltavam, aliás a orientação tradicional dos templos cristãos. Fica porém a dúvida se a posição do sacerdote perante a assembleia teria (tem), ou não, como objectivo personificar nele a autoridade papal. Depois do Vaticano II continuará a haver, portanto, mais extremadas (mas não incompatíveis) a «Igreja de Pedro» e a «Igreja de João».

Um alto funcionário do Egipto disse, há já algumas décadas, que se o Islão tem reforma, então já não é o Islão, o que, evidentemente, justifica a existência do sufismo, como aliás a cabala no Judaísmo. Não se pode dizer o mesmo de algo no Cristianismo?

(1) Há, como é sabido, uma disposição outra que é a da Távola Redonda que, para o caso, se insere noutro contexto.

Eduardo Aroso©

Semana Santa, 2022

                                        

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

 TUDO FAZ SENTIDO de Julião Bernardes

 

Conheço o poeta Julião Bernardes há cerca de trinta anos, do GRESFOZ (Grupo de Estudos Figueira da Foz ), e recordo momentos inesquecíveis, como aquele em que recebeu um prémio na Universidade de Salamanca, cerimónia na qual estive presente. Assim, não fosse a exegética abalizada do prefácio do Prof. José Fernando Tavares, a minha apreciação do mais recente livro do autor poderia enfermar na confusão da amizade e da obra, algo que aliás é frequente na pequena casa lusitana. J.F.T. alude a um livro «pleno de densidade conceptual mas também de imagens inesperadas e não menos densas na sua poética significação».

 Logo aqui se vislumbra uma poesia que não é desprovida de pensamento, mas também que as palavras naturalmente expressivas na poesia têm profundidade ontológica. Ou seja, a graça e a pura lírica, a agonia e o trágico da vida podem coexistir. Diz ainda J.F.T. que «o recurso enunciativo que subjaz à expressão poética não retira a esta o seu carácter filosófico». “Deixei de ter saudade (palavra tão portuguesa; nem sei se haverá sentimento igual em todo o mundo) – uma vez que a criei, vive permanentemente comigo, lado a lado, é a outra metade de mim, completa-me e harmoniza-me” (J.B.). Ou em tom aforístico: “Dorme no meu olhar, flor do deserto./Vigio o teu sono”. O místico da sede constante de Deus, ou o poeta da interrogação perene da palavra como revelação da existência e sobretudo do ser, não têm descanso: “Interrogo a noite para esclarecer o dia, enquanto o corpo descansa do peso do mundo”.

A leitura na íntegra de «Tudo Faz Sentido» (seda PUBLICAÇÕES, 2020)  conduz-nos àquela imagem dos vasos comunicantes que, na totalidade, existe no interior do poeta. Fica-nos a impressão clara de que Julião Bernardes não tem a preocupação (quiçá objectivo, ainda que inconsciente, via de regra perseguido afanosamente por quem pretende escrever um livro de poesia) de estremar poesia ou pensamento num sentido mais estruturado já do domínio da filosofia. O que acontece é que a poesia segue, seja no ritmo que o poeta lhe imprime, seja na ideia que pode receber ou incorporar algum sopro de filosofia, mas – note-se – sempre que aquilo que surge desta natureza não perturbe a poesia.

Eduardo Aroso

13-2-2022

 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

 DA POESIA

 

Com raras excepções, a poesia contemporânea perdeu o sublime poder de invocar, de tal modo a haver estremecimento, causar o «espanto» naquele sentido que os gregos davam à sensação total (holos) perante o Cosmos, de indescritível admiração eivada de algum medo, reflexo da própria pequenez humana perante o ímpeto invocatório fosse aos deuses ou a terríveis forças telúricas. Depois do romantismo alemão percebeu-se o corte da poesia com a Natureza, bastaria ler os «Hinos à Noite» de Novalis. Entre nós, na «Oração ao Pão – Oração à Luz» de Guerra Junqueiro, encontramos os últimos vestígios desse estremecimento. Hoje, a ida à praia, por exemplo, é um acto biológico exterior - ainda assim tonificante - cheio de saudade da perdida Natureza oculta.

A entoação, ou canto, que o hexâmetro grego provoca na leitura da «Ilíada», ou, de outro modo a cadência entoada em «Os Lusíadas», ou até em alguns poemas do modernismo brasileiro de Jorge de Lima, por certo já escasseia na poesia nova que, quantas vezes causando surpresa repentina e repleta de belas ironias e metáforas aladas e completamente imprevisíveis, pouco nos faz estremecer. O gosto pelo poema curto, ou pelo aforismo, muito embora nos surpreenda e possa mesmo encerrar uma sensação estética quase fulminante, seria como comparar um pequeno prelúdio musical que, podendo todavia ser uma obra rara, não pode alcançar a mesma atmosfera de uma sinfonia! Como diz Lamberto Maffei, o pensamento rápido – que hoje tomou conta da maior parte dos cérebros - «não apela à memória».

 Bem pode Prometeo continuar a ofertar-nos o fogo trazido dos deuses, servido na taça mais sedutora, com sobremesa de ambrósia, que na era não só pensamento como do sentimento digital, olhando ansiosamente o relógio, prefere-se o prato de “fast food”, que prepara uma geração para eliminar sílabas de palavras, numa prática pavloviana por dissílabos. Mas ainda há um resto fé nos versos de Gedeão, no seu grito poético de optimismo ao «mundo que pula e avança/como bola colorida/entre as mãos de uma criança».

 Eduardo Aroso©

20-1-2022

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

 

 OS DEBATES TELEVISIVOS E A QUESTÃO QUE FALTA:

                        PORTUGAL DEVERIA MUDAR DE NOME?!

 

Na esfera dos artistas, é frequente estes mudarem de nome, isto é, sentem necessidade de adoptarem um outro mais ajustado ao que são. Num outro âmbito, a questão poder-se-ia colocar para o nosso país. Já não somos o Portugal do rei Fundador que, num gesto pioneiro de verdadeiro ecumenismo, fazia pactos com chefes muçulmanos na perspectiva do lema «viver e deixar viver»; nem do país do Rei-Lavrador que laborou mais pela Língua Portuguesa do que qualquer governo dos últimos cem anos; porque também já não somos o Portugal da Ínclita Geração, à qual têm sucedido algumas ímpias gerações; ou mesmo do Portugal que ao fim de  sessenta anos resolveu não querer mais o jugo castelhano, gente do Interregno à qual sucederam gerações que lá conseguiram resistir ao mapa cor-de-rosa e posteriormente outras que se prestam a cobaias de manobras internacionalistas, ao mesmo tempo que se envergonham do melhor da nossa gesta histórica, enquanto alguns de fora a têm estudado com afinco. Pode-se dizer que uma das últimas notáveis gerações foi a da Renascença Portuguesa (uma verdadeira elite cultural que hoje é mal vista no mundo académico) bem como do nosso Modernismo. Sufocados por cerca de um século de positivismo e nihilismo do Círculo de Viena (1922-36) que instituiu o paradigma hoje vigente em toda a Europa, por cá, hoje nos debates televisivos, chegámos à usurpação total dos nomes «Portugal» e «portugueses», como se fossem peças mecânicas de substituição rápida, onde a palavra educação nem uma vez é mencionada no debate dos dirigentes dos dois maiores partidos políticos.

Por tudo isto e do muito mais que se poderia dizer, é caso para perguntar se, em abono da verdade, Portugal não deveria mudar de nome. Há quem não goste de termos como «enigmático» ou «misterioso», admitindo que só a visibilidade pelo sensorial pode explicar tudo. Contudo existe algo de profundo e subtil que não sendo irracional também se furta a certo racionalismo, a deduções de causas meramente eficientes e funcionais (termos tão gratos a políticos e economistas do “mainstream”). O que há, firmado na lenta estratificação histórica, é um nome do qual é difícil dar-se uma cisão total: Portus Cale ou Porto do Graal.

 

Eduardo Aroso

14-1-2022