segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

 TUDO FAZ SENTIDO de Julião Bernardes

 

Conheço o poeta Julião Bernardes há cerca de trinta anos, do GRESFOZ (Grupo de Estudos Figueira da Foz ), e recordo momentos inesquecíveis, como aquele em que recebeu um prémio na Universidade de Salamanca, cerimónia na qual estive presente. Assim, não fosse a exegética abalizada do prefácio do Prof. José Fernando Tavares, a minha apreciação do mais recente livro do autor poderia enfermar na confusão da amizade e da obra, algo que aliás é frequente na pequena casa lusitana. J.F.T. alude a um livro «pleno de densidade conceptual mas também de imagens inesperadas e não menos densas na sua poética significação».

 Logo aqui se vislumbra uma poesia que não é desprovida de pensamento, mas também que as palavras naturalmente expressivas na poesia têm profundidade ontológica. Ou seja, a graça e a pura lírica, a agonia e o trágico da vida podem coexistir. Diz ainda J.F.T. que «o recurso enunciativo que subjaz à expressão poética não retira a esta o seu carácter filosófico». “Deixei de ter saudade (palavra tão portuguesa; nem sei se haverá sentimento igual em todo o mundo) – uma vez que a criei, vive permanentemente comigo, lado a lado, é a outra metade de mim, completa-me e harmoniza-me” (J.B.). Ou em tom aforístico: “Dorme no meu olhar, flor do deserto./Vigio o teu sono”. O místico da sede constante de Deus, ou o poeta da interrogação perene da palavra como revelação da existência e sobretudo do ser, não têm descanso: “Interrogo a noite para esclarecer o dia, enquanto o corpo descansa do peso do mundo”.

A leitura na íntegra de «Tudo Faz Sentido» (seda PUBLICAÇÕES, 2020)  conduz-nos àquela imagem dos vasos comunicantes que, na totalidade, existe no interior do poeta. Fica-nos a impressão clara de que Julião Bernardes não tem a preocupação (quiçá objectivo, ainda que inconsciente, via de regra perseguido afanosamente por quem pretende escrever um livro de poesia) de estremar poesia ou pensamento num sentido mais estruturado já do domínio da filosofia. O que acontece é que a poesia segue, seja no ritmo que o poeta lhe imprime, seja na ideia que pode receber ou incorporar algum sopro de filosofia, mas – note-se – sempre que aquilo que surge desta natureza não perturbe a poesia.

Eduardo Aroso

13-2-2022