TUDO FAZ SENTIDO de Julião Bernardes
Conheço o poeta Julião Bernardes há cerca de trinta anos,
do GRESFOZ (Grupo de Estudos Figueira da Foz ), e recordo momentos
inesquecíveis, como aquele em que recebeu um prémio na Universidade de
Salamanca, cerimónia na qual estive presente. Assim, não fosse a exegética
abalizada do prefácio do Prof. José Fernando Tavares, a minha apreciação do
mais recente livro do autor poderia enfermar na confusão da amizade e da obra,
algo que aliás é frequente na pequena casa lusitana. J.F.T. alude a um livro
«pleno de densidade conceptual mas também de imagens inesperadas e não menos
densas na sua poética significação».
Logo aqui se
vislumbra uma poesia que não é desprovida de pensamento, mas também que as
palavras naturalmente expressivas na poesia têm profundidade ontológica. Ou
seja, a graça e a pura lírica, a agonia e o trágico da vida podem coexistir. Diz
ainda J.F.T. que «o recurso enunciativo que subjaz à expressão poética não
retira a esta o seu carácter filosófico». “Deixei
de ter saudade (palavra tão portuguesa; nem sei se haverá sentimento igual em
todo o mundo) – uma vez que a criei, vive permanentemente comigo, lado a lado,
é a outra metade de mim, completa-me e harmoniza-me” (J.B.). Ou em tom
aforístico: “Dorme no meu olhar, flor do
deserto./Vigio o teu sono”. O místico da sede constante de Deus, ou o poeta
da interrogação perene da palavra como revelação da existência e sobretudo do
ser, não têm descanso: “Interrogo a noite
para esclarecer o dia, enquanto o corpo descansa do peso do mundo”.
A leitura na íntegra de «Tudo Faz Sentido» (seda
PUBLICAÇÕES, 2020) conduz-nos àquela
imagem dos vasos comunicantes que, na totalidade, existe no interior do poeta.
Fica-nos a impressão clara de que Julião Bernardes não tem a preocupação (quiçá
objectivo, ainda que inconsciente, via de regra perseguido afanosamente por
quem pretende escrever um livro de poesia) de estremar poesia ou pensamento num
sentido mais estruturado já do domínio da filosofia. O que acontece é que a
poesia segue, seja no ritmo que o poeta lhe imprime, seja na ideia que pode
receber ou incorporar algum sopro de filosofia, mas – note-se – sempre que
aquilo que surge desta natureza não perturbe a poesia.
Eduardo Aroso
13-2-2022
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