sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

 

- Mãe, a Terra é redonda?

- É, meu filho.

- Onde é que é mais redonda?

- Na Esfera Armilar!

 

Eduardo Aroso©

26-1-2023  

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

ADVENTUS

         V

Ao artista Jorge Ulisses


A pedra tinha um destino por chegar.
Era também a sua natividade.
Moveu-a a mão que a vestiu 
do toque perfeito da forma.
Insuflou-lhe vida nas narinas
abriu-lhe os poros virgens
mas não separou a terra do céu.
Deixou-a inteira, um cosmos
a irmanar vida e morte
movimento e repouso
num corpo que extasia.
O sangue há que imaginá-lo
por onde se fez espaço de passagem.
Seria necessário Michelangelo
ter gritado a «Moisés» para falar?!

 Eduardo Aroso©

Dezembro 2022

domingo, 25 de setembro de 2022

«TALENT DE BIEN FAIRE»

 Em louvor da Ordem S.

 Não se trata do perfeccionismo filho da ciência das estatísticas de tudo pesar e medir - diminuindo infinitos - e desse “óptimo desempenho” cravado no subconsciente de quem, em consciência, sempre faz o melhor diariamente. A divisa da Ínclita Geração devia, hoje, levar-nos ao ponto de não-retorno, no que seria imperioso acontecer quando Pessoa escreve «O homem e a hora são um só». Construindo o bem e levá-lo ao ponto mais alto. Mastro do navio ideal, rota segura da planície ao cume. Aperfeiçoar até ao limite tudo o que vai no presente. A viagem quer-se calma e universalmente dirigida.

 Eduardo Aroso©

Agosto 2022

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A TERCEIRA (E ÚLTIMA) MORTE DE MIGUEL TORGA

 

No meu texto intitulado «A Segunda Morte de Miguel Torga», aqui publicado há cerca de dois anos, estava eu longe de imaginar que não seria a última! No mundo onírico o poeta (que deixara o seu corpo físico em 17 de janeiro de 1995) surgia-me triste por certos acontecimentos, mas com alguma esperança. Mas desta vez não foi assim. Na noite anterior ao corte dos plátanos do parque - por acaso ou não – tudo foi mais simples. Houve uma sintonia quase imediata no encontro, pois da última vez não estávamos bem cientes da difícil movimentação no mundo onírico.

 Agora, o escritor foi directo: - Olhe amigo, não volto a descer de mais acima para ver cenas e figuras tristes. Fiquei sem respiração e disse: - mas, estimado poeta, agora que o seu rosto consta nos autocarros, que existe a Casa-Museu com seu nome, enfim… Deixei-o continuar: - Sabe uma coisa? As melhores recordações que trouxe para este mundo são aquelas vividas para lá do Marão e outras, é claro, de outras terras onde o povo ainda mantém alguma coisa de si, mas não se sabe até quando. E se em Portugal  as cidades são labirintos e conflitos, as terras mais pequenas são desertos de abandono. É grande a diferença de uma camisa suada de alguém que anda de sol a sol, seja na terra ou em cima de um andaime, e a desses que só assinam decretos. Interrompi-o, com algum receio, dizendo que gostava do seu livro «Portugal», uma verdadeira geografia literária do país. O escritor, que nunca foi muito de risadas, manteve as faces imperturbáveis. Mas eu pude ler nos seus olhos o gosto que sentiu quando lhe falei nessa obra. Perguntei-lhe que imagem tem da cidade de Coimbra. -  Olhe, é tal e qual o mito de Sísifo: quando alguém empurra algo para cima, logo outros deixam cair ou empurram mesmo para baixo! E não se passa disto. Por isso a cidade está como está.

Fizemos alguns segundos de puro silêncio.  Despedi-me, dizendo que quer o poeta acreditasse ou não em anjos, neste mundo os seus leitores seriam uma espécie de anjos que guardariam a sua memória e a sua obra; os leitores, sim, e não tanto os que pegam nalgumas palavras da obra que nunca leram para as bandeiras das suas conveniências. Agora o poeta poderia assim partir definitivamente em paz para os reinos celestiais.  

Eduardo Aroso©

Equinócio de Outono, 2022

 

 

 

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

 Passo na rua principal da urbe onde o Rei fundador da nacionalidade quis viver e ser sepultado. Cruzo a cidade que se fez pela vetusta universidade que tem as suas irmãs em Oxford, Pádua ou Salamanca. Passo junto às montras com exposições de cortiça; das lojas dos preços de um euro. Entro nas livrarias cheias de best-sellers geralmente de jornalistas americanos, de atraentes livros de gastronomia, ou de tácticas militares à mistura com os programas salvíficos de economia.

Passo pela Ferreira Borges como cão por vinha vindimada, mas também sobre o inconsciente citadino que parece esperar por certa movimentação de placas tectónicas de energias estagnadas. Atravesso a ponte e vou respirar lá para os lados de Santa Clara. Onde estais vós ó filhos e filhas da Lusa Minerva para acudir à cidade?!

 

Eduardo Aroso

15-9-2022 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

 

 GOSTO DOS POETAS

 Que escrevem sobre (de) si, e não para o gosto dos críticos literários. Dos poetas que não têm a ilusão de serem “cavalos de fogo” de vanguardas, porque esses não se importam com isso. Rejubilo com aqueles que escrevem de tal modo que quando sentem com o fígado, não insinuam dizer que é no intelecto que se alinham os versos. E também dos que sabem bem que até Fernando Pessoa escreveu as chamadas redondilhas ou quadras populares. Louvo os poetas que não são apenas da sua época, mas neles - fado bem difícil ‑ atravessam todos os tempos. Gosto dos poetas que intuem os limites na sua ilimitada criação, os limites onde tudo cabe, desde a bosta de boi à coroa de louros. Gosto, enfim, dos poetas que, antes da compreensão, me fazem estremecer.

 Eduardo Aroso©

Agosto 2022

terça-feira, 5 de julho de 2022

A RAINHA SANTA ISABEL E A MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA

 

A Rainha Santa Isabel e Inês de Castro, duas figuras femininas que, apesar de tão marcantes e representarem arquétipos diferentes se tornaram míticas no verdadeiro sentido da palavra (pelas razões que conhecemos) não constam na Mensagem pessoana. As razões cabem apenas ao poeta, que não as explicitou (não tendo que o fazer), pelo que somente as podemos conjecturar. Todavia, o poeta glosa D. Tareja (Teresa) mãe de D. Afonso Henriques e D. Filipa de Lencastre mãe da Ínclita Geração. Ambas estão respectivamente na raiz da 1ª e da 2ª dinastias, do Portugal-matriz, interrompido em Alcácer-Quibir, logo dominado por Espanha e depois entrando numa espécie de “clandestinidade” sobretudo na segunda metade da 4ª dinastia e na subsequente república. 

 O facto das referidas mães constituírem pontos cardinais dinásticos, pode estar (ou não) na base da célebre carta que Pessoa endereçou ao Conde de Keyserling que, apesar da sua cultura, veio a Portugal (Pessoa parece tê-lo ouvido em Lisboa), dizer o que não somos, o que não fomos e muito menos o que podemos (poderíamos) ser. Na sua obra História Secreta de Portugal, António Telmo vê em Fernando Pessoa o «Rectificador» de muita coisa. Uma leitura atenta descobre como um livro ao mesmo tempo que oculta também pode desocultar um sentido que, necessariamente tomando razões fundacionais, nos pode fazer entender melhor que o óbvio muitas vezes não é o que parece óbvio.

Seja como for tudo isto, as devidas honras (e devoção) que prestamos à Rainha Santa que instituiu oficialmente o Culto do Espírito Santo em Portugal, que transformou rosas em moedas de oiro para pagar aos operários da Igreja de Alenquer, não deixa de estar num admirável contraponto com a (feliz) iniciativa de, neste dias, haver uma Guarda de Honra no Panteão Nacional, Igreja Santa Cruz de Coimbra. Quanto à Guarda de Honra, que existe todo o ano na Igreja de Santa Clara, é feita por Anjos.

 Eduardo Aroso ©

4-7-2022

Festas da Padroeira da Cidade de Coimbra