quinta-feira, 28 de maio de 2020


A FALTA DE SENTIDO DO DEVIR HISTÓRICO
OU A PANDEMIA DO EFÉMERO

Se há algo que caracteriza as gerações novas, ou talvez as da meia-idade, é o rápido esquecimento do mundo de há 30 ou 40 anos, trocado por aquilo que é o fascínio do novo ou da novidade. Isso aplica-se à vida de um modo geral. Deve-se, por um lado, à facilidade da busca veloz de crescente informação por um processo que lhe está obviamente associado: a tecnologia digital. O problema principal é quando se acumulam conhecimentos não estruturados ou não digeridos fora de toda a ausência do sentido ou devir histórico. “Parece que o mundo começou há meia dúzia de anos!” é a exclamação já frequente de muito boa gente que começa a perceber que, no teatro do mundo, não de deve confundir a forma e a essência, ou os cenários que vão mudando para representar o mesmo drama da humanidade.  
Tudo isto é ajudado pelo chamado «ensino obrigatório» e mais do que isso de uma espécie de “moral obrigatória” que o sistema impõe, quer pela pressão e o controle dos média, reflectidos na oscilante mudança dos currículos escolares que pretendem uma formação integral com “a fruta da época”, sendo que há necessárias excepções como é obviamente a da ênfase na actualização científica. No campo da artes se perguntarmos a vinte alunos do curso de História de Arte quem foi René Huyghe talvez um responda. Os compêndios, que sempre elegiam Thomas Edison, ainda hesitam em falar de Tesla, não fosse o seu nome estampado no mais sofisticado automóvel. Dos «The Beatles» ainda se sabe, mas já ninguém escuta «The Animals» ou «The Mamas and Papas». E quem aprecia Moustaky ou Piaf ou (excepto para fins académicos) quem lê Aquilino, Torga ou Agustina?
Ainda que já houvesse escrita, os filósofos mais antigos e outros da mesma estirpe não estavam interessados em escrever como qualquer intelectual hoje tem necessidade de o fazer, ou o simples cidadão que se sente realizado se publicar um livro. O grande objectivo desses mestres, pela sua presença ante os discípulos, era o da sua transformação interior, a verdadeira alquimia que não olhava para o «vil metal» com lhe chamaria Camões, nem para o armazenamento de páginas e páginas no cérebro. Há mais de dois milénios, um mestre gravou sobre a entrada do Templo de Delfos a celebérrima frase: «Homem, conhece-te a ti próprio». Não tinha essa época, de modo nenhum, o avanço no conhecimento médico que hoje existe, mas tinha estas “vacinas” contra a já muito longa pandemia do efémero.

Eduardo Aroso
27-5-2020

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