terça-feira, 26 de maio de 2020


UNIDOS PELO PRESENTE E FUTURO DA CULTURA EM PORTUGAL
( 2ª PARTE)
CULTURA E ENTRETENIMENTO
Assim como o liberalismo não é o neoliberalismo e a beira da estrada não é a estrada da Beira, também Cultura não é o mesmo que entretenimento e lazer, ainda que estes dois últimos, quiçá, possam coexistir enquanto elementos secundários. Um ministério da Cultura que ostente este nome deve ter uma nítida distinção entre uma coisa e outra, e se não quer acrescentar a palavra «entretenimento» ao seu dístico, deve, no mínimo, ter dois balcões, bem como um critério de distribuição de verbas, tornado público. Qualquer um sabe que é mais fácil gerir uma actividade recreativa do que ter um cargo superior relacionado com a Cultura que, em abono da verdade, tem também um lugar diferente do que tem o artesanato. Todas estas actividades têm a sua função nas sociedades cada vez mais heterogéneas, chegando mesmo a ser um bom factor de saúde mental e da realização que cada um pode ter.
 Mas vamos ao tema: a ideia do que é a verdadeira Cultura nunca foi pacífica, tanto mais que também nunca foi fácil ajuizar do que em cada presente (época) fica como marca de Cultura. Mas não temos dúvida, pelo que diz a História, mesmo a mais recente, do que já é Cultura. Um ministério que não zela pelo património cultural mais ou menos recente e por aqueles que o mantêm vivo, não é ministério de cultura ou então é de outras coisas (não falo agora das listas de compadres).
 Por muito que a alguns custe admitir, no mundo moderno a degradação do que é cultura é a degradação do espírito. Há, contudo quem escape dessa pandemia. Na época que Nietzsche proclamou a “morte de Deus” estava Wagner vacinado contra isso; ou quando Duchamp criou o «A fonte» (urinol) Kandinsky navegava noutras águas. A ideia de que o criador de uma obra deve ceder completamente à subjectiva interpretação de quem a aprecia, foi crescendo de tal maneira que o artista (nas sempre louváveis excepções), para sobreviver, viu-se na obrigação de transmitir a sua mensagem na forma do utilitarismo consumista. Assim chegámos à “arte sem artista” – uma mera forma de expressão (quanto mais bizarra melhor) para a interpretação (!) de quem a usufrui. Mas também outros factores deste declínio no panorama mundial (até na velha Europa), como é o caso da classe média que se foi extinguindo. Dela poderiam vir aqueles que constituem as elites espirituais para fazer face a uma nova vaga de “elites intelectuais” (muito chegadinhas aos tecnocratas), destinadas a servir o novo-riquismo. São os angariados das “Cortes palacianas actuais”. Mas só as elites do espírito fermentam uma sociedade contra a barbárie, sustentando as democracias salutares.
 Posto que, no caso português, a presença dos municípios está em todo o país, e para ainda haver alguma salvação do que é cultura, e como há, de um modo geral, escolas e academias em todos os concelhos, sugiro que se ouça a sério quem sabe de cultura. O povo também necessita de lazer e tem-no tido sempre com aquela música onde as pessoas aguardam ansiosamente a palavra brejeira que rima com outra ainda mais brejeira. E também há – quando o rei faz anos – honrosas excepções. Boas orquestras já têm tocado nas antigas Casas do Povo e nos teatros municipais. Seja como for, haja então dois balcões nos municípios. É claro que um deles vai ter mais gente e vai ganhar mais votos. Até ao século XXII?

Eduardo Aroso
25-5-2020

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