domingo, 25 de setembro de 2022

«TALENT DE BIEN FAIRE»

 Em louvor da Ordem S.

 Não se trata do perfeccionismo filho da ciência das estatísticas de tudo pesar e medir - diminuindo infinitos - e desse “óptimo desempenho” cravado no subconsciente de quem, em consciência, sempre faz o melhor diariamente. A divisa da Ínclita Geração devia, hoje, levar-nos ao ponto de não-retorno, no que seria imperioso acontecer quando Pessoa escreve «O homem e a hora são um só». Construindo o bem e levá-lo ao ponto mais alto. Mastro do navio ideal, rota segura da planície ao cume. Aperfeiçoar até ao limite tudo o que vai no presente. A viagem quer-se calma e universalmente dirigida.

 Eduardo Aroso©

Agosto 2022

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A TERCEIRA (E ÚLTIMA) MORTE DE MIGUEL TORGA

 

No meu texto intitulado «A Segunda Morte de Miguel Torga», aqui publicado há cerca de dois anos, estava eu longe de imaginar que não seria a última! No mundo onírico o poeta (que deixara o seu corpo físico em 17 de janeiro de 1995) surgia-me triste por certos acontecimentos, mas com alguma esperança. Mas desta vez não foi assim. Na noite anterior ao corte dos plátanos do parque - por acaso ou não – tudo foi mais simples. Houve uma sintonia quase imediata no encontro, pois da última vez não estávamos bem cientes da difícil movimentação no mundo onírico.

 Agora, o escritor foi directo: - Olhe amigo, não volto a descer de mais acima para ver cenas e figuras tristes. Fiquei sem respiração e disse: - mas, estimado poeta, agora que o seu rosto consta nos autocarros, que existe a Casa-Museu com seu nome, enfim… Deixei-o continuar: - Sabe uma coisa? As melhores recordações que trouxe para este mundo são aquelas vividas para lá do Marão e outras, é claro, de outras terras onde o povo ainda mantém alguma coisa de si, mas não se sabe até quando. E se em Portugal  as cidades são labirintos e conflitos, as terras mais pequenas são desertos de abandono. É grande a diferença de uma camisa suada de alguém que anda de sol a sol, seja na terra ou em cima de um andaime, e a desses que só assinam decretos. Interrompi-o, com algum receio, dizendo que gostava do seu livro «Portugal», uma verdadeira geografia literária do país. O escritor, que nunca foi muito de risadas, manteve as faces imperturbáveis. Mas eu pude ler nos seus olhos o gosto que sentiu quando lhe falei nessa obra. Perguntei-lhe que imagem tem da cidade de Coimbra. -  Olhe, é tal e qual o mito de Sísifo: quando alguém empurra algo para cima, logo outros deixam cair ou empurram mesmo para baixo! E não se passa disto. Por isso a cidade está como está.

Fizemos alguns segundos de puro silêncio.  Despedi-me, dizendo que quer o poeta acreditasse ou não em anjos, neste mundo os seus leitores seriam uma espécie de anjos que guardariam a sua memória e a sua obra; os leitores, sim, e não tanto os que pegam nalgumas palavras da obra que nunca leram para as bandeiras das suas conveniências. Agora o poeta poderia assim partir definitivamente em paz para os reinos celestiais.  

Eduardo Aroso©

Equinócio de Outono, 2022

 

 

 

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

 Passo na rua principal da urbe onde o Rei fundador da nacionalidade quis viver e ser sepultado. Cruzo a cidade que se fez pela vetusta universidade que tem as suas irmãs em Oxford, Pádua ou Salamanca. Passo junto às montras com exposições de cortiça; das lojas dos preços de um euro. Entro nas livrarias cheias de best-sellers geralmente de jornalistas americanos, de atraentes livros de gastronomia, ou de tácticas militares à mistura com os programas salvíficos de economia.

Passo pela Ferreira Borges como cão por vinha vindimada, mas também sobre o inconsciente citadino que parece esperar por certa movimentação de placas tectónicas de energias estagnadas. Atravesso a ponte e vou respirar lá para os lados de Santa Clara. Onde estais vós ó filhos e filhas da Lusa Minerva para acudir à cidade?!

 

Eduardo Aroso

15-9-2022