quinta-feira, 28 de novembro de 2013


O SORRISO E O APOIO

 Os anciãos passam. Têm o único apoio na bengala que, de tão frágil, já nem pode ser instrumento de defesa! O chão foge-lhes e às vezes acontece escorregarem nas folhas oleosas dos descuidos urbanos, ou obrigatoriamente nas outras, as folhas deslizantes do calendário. Todavia, olham o mundo. Sorriem ainda. Chamam os pássaros para cima dos bancos do jardim, ou simplesmente à sua memória os da já longínqua infância, que se cruzam com as aves de agora, obrigadas a recrutamentos nos espaços da ecologia.
Os anciãos sorriem e estremecem quando vêem uma criança. Talvez como a tarde se comove com a manhã no que tem de igual e de diferente. Por não falarem já tanto,  sorriem, olhando através das árvores, onde tudo é nítido: o que passou e o que há-de vir. Nesta idade sorriem apenas com um único motivo: a vida justifica-os e dá-lhes inteira razão por vê-los corajosos, à frente, na grande maratona!©

 Eduardo Aroso

27-11-2013

terça-feira, 26 de novembro de 2013


 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (7)
 
 
A energia de sobra que há nas ondas da costa portuguesa contrasta com a nossa actual escassez de força anímica. É a exaltação de Marte e Neptuno (a quem todos obedeceram, como cantou Camões) contra a imobilidade depressiva de Saturno. Até que o desespero de enfrentar de novo o Adamastor nos crie, outra vez, o ímpeto, como também cantou o vate em Os Lusíadas: «Olhai que ledos vão por várias vias»  ©
 
Eduardo Aroso
Novembro 2013 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013


CONFRARIAS E MISERICÓRDIAS

Quem conhece a fecunda e longa tradição destas instituições da História de Portugal, sabe que, hoje, são completamente desajustadas estas palavras pelas quais se denominam. Longe vão os tempos, do século XIV, em que na Confraria do Espírito Santo de Alenquer, na Festa do Bodo, clero, nobreza e povo, sentados à mesa, e perante a família Real, os pobres e estropiados, eram servidos antes de tudo o mais! Acto simbólico antecipando qualquer ideologia. Salvo nas confrarias onde ainda, graças a Deus, os pobres irmãos, por exemplo, vestem a sua opa para acompanhar um corpo até à última morada, o ambiente gastronómico que se vive nas actuais ditas confrarias estão muito abaixo das velhas ceias dos últimos tempos da monarquia, onde à volta do borrego assado e do vinho de Colares, já não havia ideias e muito menos ideal!
Quanto às Misericórdias - e porque um bastão tem sempre dois lados - é certo que cumprem ainda um meritório papel humanitário e de interesse social (muito especialmente quando há eleições!). Mas quando a ideia de lucro começou a ser o oxigénio onde todos respiram, o melhor seria mudar o nome na raiz, o de Santa Casa da Misericórdia. Como disse Eugénio de Andrade «as palavras estão gastas».

Entroncam aqui necessariamente alguns aspectos que há na ideia de Estado-Social. Mas é interessante a constatação, no presente, do declínio deste último e a perversão da nossa tradição histórica nas referidas instituições e noutras que não vêm ao caso. O conceito de Estado-Social, uma invenção nórdica emergente dos dois troncos do protestantismo, protagonizados por Lutero e Calvino, feriram de morte a nossa tradição que chega assim aos nossos dias na mais baixa bastardia. Afastamento do nosso vernáculo que, naturalmente alheio à era industrial, a continuar, ter-se-ia que forçosamente aperfeiçoar ao longo dos tempos. Mas muito provavelmente não teríamos esta dolorosa distância onde os pobres já não têm entrada por não poderem pagar a mensalidade… Assim, poderíamos ter evitado, por exemplo, que essas instituições se transformassem em apenas acolhedoras de degustadores, num caso, e de gente idosa, noutro. ©

22-11-2013

Eduardo Aroso

terça-feira, 19 de novembro de 2013


 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (6)

 
Quando em Portugal se diz que o mais alto magistrado da nação deve ser o «presidente de todos os portugueses», representa, esse ideal, no nosso psiquismo colectivo, a restauração da figura unitiva do rei. E quanto mais o presidente se afasta de todos os portugueses mais «o rei oculto» se aproxima. Mas a saudade não é a da figura – porque oculta – mas do «princípio» ou sentido que é o de unidade nacional, sobretudo em tempos de crise.  ©

Eduardo Aroso, 21-11-2013  

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (5)

 O facebook é mais a estreiteza do momento do que a eternidade do momento. ©

19-11-2013
Eduardo Aroso

 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (4)

Há em Portugal uma linha genealógica de traição ininterrupta que vem desde os Filipes a Durão Barroso; do administrador dos bens da corte de D. João V a Vitor Constâncio ©.

Novembro, 2013
Eduardo Aroso




segunda-feira, 11 de novembro de 2013


 
AFORISMOS DE IMANÊNCIA (3)

 
A minha saudade não é unilateral. O encontro é meu com o tempo; encontro de quem sente com a perenidade do que foi alguma vez sentido. Só há desejo plenificado noutro desejo. ©

 
Novembro de 2013 (num lugar do planeta Terra)
Eduardo Aroso

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (2)

 
Uma nação com quase nove séculos de História não pode ser um «haiku». Na verdade, a nossa epopeia não cabe em três versos! Camões demonstrou isso nos Lusíadas, antes mesmo de ser necessário fazê-lo. ©

 
11-11-2013
Eduardo Aroso

domingo, 10 de novembro de 2013

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (1)

Por que será que poucos reparam no fantástico tempo que vivemos que, de tão intenso, nos deixa negativamente perplexos?
16:25 h
10-11-2013 
Eduardo Aroso 

sábado, 9 de novembro de 2013


A DISTÂNCIA, O TEMPO E A «VERDADE DO AMOR» DE SOLOVIEV

 
Sobretudo nas últimas décadas, vencida relativamente a distância pelos meios que estão à vista, bem mais difícil se torna vencer o tempo, já que este, ao contrário da primeira, parece ser o efeito de uma metamorfose da matéria. O corpo humano desgasta-se mais no tempo do que uma rocha e do que o próprio sistema solar que permanecerá ainda milhões de anos!

Mas a busca para vencer o tempo continua, porque, em boa verdade, já há muito sabemos que existe um tempo objectivo (Cronos) e um tempo subjectivo (que pode ser atribuído a Urano). É bem conhecida a imagem clássica da sensação de tempo tão diferente que decorre quando dois namorados passeiam agradavelmente ou a de um condenado numa prisão. O domínio do tempo – inquestionavelmente uma ambição máxima do homem – parece estar relacionado com o mergulho num ponto central, de onde tudo emana, na imagem da circunferência com o ponto. O Tao diz-nos algo sobre isso bem como a filosofia rosacruz (dada por Max Heindel) que na sua Cosmogonia refere que (ao contrário de um “light new age”)  os mundos não são paralelos, mas concêntricos. Neles a sensação de tempo depende da vibração desses mundos: quanto mais denso (o caso do nosso mundo físico) mais sensação de tempo.

 Mas é nele que estamos. Nicolau Berdiaeff (1874-1948) em «Cinco Meditações sobre a Existência»  examinou habilmente – e de um modo nem sempre fácil para o leitor – a velha e nova questão do tempo. Mas já que falei num ponto central, há que falar também de V. Soloviev (1853-1900), quando trata o tema do amor. No fundo, é ele que tudo regenera, e diria que regenera todos os tempos nas clássicas formas passado presente e futuro, porque, assim, até este último se constrói melhor. E o que pode parecer mais estranho - mas não tanto! - é que o Amor é algo sempre existente, não dependendo da acção humana, para começar ou acabar; apenas nos momentos mais fatais pode ser interrompido ou modulado.

É claro que não se trata do sentimento da grosseira expressão “fazer amor”, que tomou conta de nós numa das maiores ilusões do relacionamento entre pessoas.  ©

 
Eduardo Aroso, 9-11-2013