sábado, 15 de dezembro de 2018


O PRESÉPIO DIVINO, PLANETÁRIO E ECOLÓGICO

Armar o presépio – tal a expressão tradicional – sem armas, mas cuja armação tem o amor e a estética que cada um possa dar. Toda a humanidade faz parte de um presépio gigante, bem mais complexo do que o modelo que chegou até nós pelo gesto amoroso de Francisco de Assis. Não seria de admirar que o santo, nos dias de hoje, pudesse também imaginar um presépio à escala planetária, onde não faltem árvores sãs e águas limpas. É certo que alguns não vêem nesse presépio planetário o Menino Jesus, embora ele esteja presente para quem o pode vislumbrar. Muitos entendem a vaca apenas como produtora de leite e dadora da carne, ou o burrinho como epíteto dos mais pobres de inteligência, ou, pior do que isso, um conceito difuso de direitos de animais e pessoas. Quanto ao resto dos figurantes, é certo que alguns não podem estar junto de outros (coisa natural), porque os incómodos são cada vez maiores. Por sua vez é isto que dá sentido ao mundo, na sua complexidade e diversidade. Mas… os rios poderão deixar de estar limpos, os poços vazios e as fontes secas, falando eu também daquelas fontes onde a alma se sacia mitigando aquela outra fome que corrói por dentro, a que muitos também chamam solidão. Quando à falta de fé no transcendente, se a isto se juntar definitivamente a frouxa e desesperançada fé no actual sistema político e nos seus “apóstolos”, ver-se-á que, pior do que ser educado num colégio de freiras ou num seminário é vaguear pelo mundo sem emprego e sem família, cujo único horizonte é um “cigarro doce” ou uma seringa na mão. Eis a morte do velho IDEAL helénico ou mesmo renascentista do Ocidente, trocada pelo comando tecnológico (uma espécie de “feitiço contra o feiticeiro” e não o contrário, como é desejável); do materialismo como monarca supremo do mundo; ou o consumo do sexo em saldo e a inquisição dos mercados. Mas tudo isto, em tempos de agonia, nos conduz à ideia de que ainda vale a pena ter um presépio ideal. E a palavra-chave é renascer, seja como for.

Eduardo Aroso©
Natal, 2018    


terça-feira, 27 de novembro de 2018

ANTÓNIO TELMO E O SENTIDO DO ESOTERISMO OCIDENTAL

«O movimento da filosofia deverá consistir, pois, não em fugir para um mundo suprassensível, mas em tomar consciência da imensa força na qual vivemos e somos, - em encontrar o dissolvente universal. (Arte Poética)


O declínio da Palavra no ocidente tem sido a causa maior da ilusória busca do orientalismo espiritual não só como rápida panaceia para os males da sociedade do apogeu do consumo material, como também para uma via espiritual por excelência dos pensadores que esgotaram a sua exegese mais profunda no seio das igrejas. Seja por uma rápida atitude, como quem já não vai a Fátima, para querer peregrinar por outras bandas, seja na busca de razões para entender o chamado renascimento ou reincarnação ou mesmo esse ignoto sentido do silêncio como alicerce de toda a Criação.
 No primeiro caso, vemos a profusão de incensos em cada esquina, ou posturas corporais (quantas vezes chamando yoga ao que não é yoga), mas que prometem um quase imediato adiantamento da alma. Tem sido este o refúgio de um mundo que, tirando vantajosamente o pó que vinha acumulando, condicionou-se entre as hostes marxistas e os corredores jesuítas.
 A proliferação de inúmeros livros de auto-ajuda parecem ter esquecido a máxima helénica «conhece-te a ti mesmo», porque também ao declínio da Palavra corresponde um preocupante afrouxamento da vontade.
A desesperada busca do silêncio (desesperado acto também da (re)ligação à Natureza perdida), se é verdade que lhe confere a essência sagrada habitante no caos como possibilidade de tudo poder-vir-a-ser, de outro modo não pode ser o refúgio ilusório ocidental onde se tentam ludibriar os traumas que a adulteração da Palavra (quando não profanação) tem trazido. Uma abordagem mais exigente entre nós, na busca de insondáveis gnoses que ultrapassem academismos e ortodoxias enxertadas, parece ter esquecido a tradição templária e o sinal da Rosa que foi colocado no Convento de Cristo de Tomar, ainda antes dos primeiros Manifestos Rosacruzes surgidos na Alemanha. A rápida divulgação do budismo no ocidente e de um modo específico em Portugal, curiosamente apetecido por algumas classes cultas e de jovens, pese embora a sua inquestionável condição benigna de remeter o ser humano para a sua essência, sendo por isso o ideal para muitos ocidentais, não vem esclarecer mais o silêncio que os frades medievais, para os quais o céu era mais que o nirvana onde as almas se dissolvem num incognoscível Absoluto.
Por tudo isto, o filósofo António Telmo, também ele leitor atento de Bergson, não poderia deixar de alertar para o movimento da filosofia que preconiza a exaltação da Palavra indispensável à expressão do pensamento. «A gnose hebraico-portuguesa distingue-se da gnose oriental valorizando a palavra sobre o silêncio, procurando no silêncio, não o pensamento que se torna inefável, mas o pensamento que se transforma em palavras que iluminem as trevas em que vivemos» (A. Telmo, conferência, 1996).
Na verdade o Génesis consagra o Verbo como supremo agente do mundo, justificando-o nesse mistério. Milhares de anos depois, João, o apóstolo amado, abre o seu imortal evangelho com a chave do Verbo, pormenor que não escapou ao autor dos chamados Painéis das Janelas Verdes, no que é tido como o painel do Santo, com o livro aberto no intróito desse evangelho, porventura o ponto focal de toda a obra, pese embora o panorama holístico que nela colhemos. Ferir ou romper o silêncio é o acto mais sagrado que só a Palavra pode fazer. No mundo ocidental (porventura todo ele agora que está sob o olhar atento da Besta) o poder temporal, no declínio da Palavra, promete a salvação, a curto prazo, para quatro ou cinco, no contraponto ao poder espiritual que no fim desta vida promete a salvação, quiçá a vida eterna.
 Se o silêncio é prioritariamente condição de chegada, então a Criação do mundo não tem servido para nada, como se o ser humano voltasse ao caos, uma espécie de “posição fetal”, porque o sentido da Manifestação foi acentuado pelo Verbo com os seus múltiplos efeitos. O pensamento abstracto só faz sentido quando se sabe o que é o pensamento concreto.

Santa Clara (Coimbra) 27-11-2018
Eduardo Aroso©

sábado, 17 de novembro de 2018



«FÁTIMA E A CULTURA PORTUGUESA» de Miguel Real

«Sente-se, logo existe (…) a Presença, porém, basta-se a si própria como explicação e justificação. E como fundamentação» (página 51)  


O título da obra não induz ninguém em erro, qualquer que seja o pensamento de cada um sobre tão problemático tema, pois o autor, ao contrário de muitos outros, ao escolher tal designação não vem, afanosamente, defender uma tese pessoal. Miguel Real, numa visão omniabarcante do pensamento ao longo da história (como ele superiormente sabe fazer e tem o mérito de expressar), empenha-se em situar o fenómeno das Aparições na cultura portuguesa desde o passado mais ou menos remoto até ao que se projecta na nossa contemporaneidade.
O autor debruça-se bastante sobre o período que vai do final da monarquia e ambiente da república (1910), percorrendo-a e sublinhando mormente a época fracturante do sidonismo, chegando ao salazarismo e ao actual regime democrático. Se o caudal de informação, onde notamos a vastíssima bibliografia lida por Miguel Real, apresentando passagens elucidativas, o que por vezes nos parece excessivo (como se o autor quisesse quase abordar outro tema), o certo é que no último capítulo da obra se percebe tal necessidade, para assim situar, como é jus, os acontecimentos da Cova da Iria na linha da história, da religião, da própria igreja católica (em face até de outras) de algum modo da sociologia, e sobretudo da nossa condição mítica e iniludível genética transcendental. Algumas sínteses deste livro poder-se-iam aqui apontar, mas, por conveniência de brevidade, dir-se-ia que, sendo óbvio que o fenómeno da Cova da Iria não se insere numa lógica racional, ou pelo menos racionalista, ele obedece necessariamente a outra lógica em que a sua justificação não assenta tanto na argumentação, mas essencialmente na peculiaridade de todo o processo português (se quisermos desde Ourique) providencialista e mítico, com toda uma sintomatologia do transcendente que há em nós. Se existe (ou veio a existir) uma relação alterada no triângulo Aparição/Visão/Manifestação (ou o que quer que tenha sido) Igreja e Estado, permanece o enigma na continuidade, que pese embora o palco mundanista hoje montado para o efeito, ele não apaga a realidade subterrânea de Fátima que todavia persiste. Do que disse também o Professor Moisés Espírito Santo, em «Os Mouros Fatimidas e as Aparições de Fátima», vê-se que essa realidade subterrânea teve provavelmente a sua génese nessa região, mesmo antes da própria fundação de Portugal, pelo que 1917 seria outra manifestação moderna, quem sabe se do Inominado.

Eduardo Aroso ©
16-11-2018


quinta-feira, 25 de outubro de 2018


ODE AO BRASIL
(EM ACENTO AGUDO)©


De que lado é oriente, despertar,
No país do sul e vigor ocidental,
Do nervo de sol desfazendo ganga,
E agora de que lado vai soprar
O novo grito de Ipiranga?
Mexe no chão, mexe Brasil,
No grande rio que não desiste
Guarda-mor de tantas gerações,
No ar há sonhos que circulam
Sem que ninguém os agarre
E olha que há no povo vulcões
De lava saindo no lado errado
Não caias nos momentos antes
De acabar a grande maratona
Onde esperam bater palmas
Resistentes e répteis mutantes.
Vai além do meio tom cantado
Não te fiques no gesto de ancas
E rosto de meias-tintas consentidas
Avança no dia seja ou não impossível
Na hora que é tempo exacto
Das soberanas coordenadas tropicais:
Niemeyer ainda traça o teu perfil
E Betânia e Caetano, um de cada lado.
Metade samba e metade fado.

©Eduardo Aroso
23-10-2018


sábado, 20 de outubro de 2018


BRASIL – É A HORA

O filósofo português José Marinho (1904-1975) disse de Portugal ser «o país do extremo erro e do extremo acerto». Medular afirmação que, neste momento crítico, parece ser comungada pelo Brasil: se sobre o «extremo erro» não restam dúvidas - como também por cá às vezes tem acontecido – a esperança e a possibilidade é do «extremo acerto». Mas não se veja nesta última expressão qualquer forma de radicalismo ideológico ou partidário, antes, porém, uma mobilização quiçá do inconsciente brasileiro, “in extremis”, para o extremo acerto (e quem o sabe?) ao que outro pensador português António Quadros (1923-1993) poderia chamar mitologismo ou providencialismo histórico. E, verdade seja dita, a maior nação da América do Sul tem não só a potência como apetência para tal, tiradas as máscaras da propaganda e da alienação pelos mídia. Se o acordar do pesadelo não traz mais realidade dos que se imbuíram nele, ou seja, os actores são os que são e não outros, resta a esperança de que deste estranho despertar um desses actores bata com a cabeça e, afinal, algumas ideias sofram mutação posterior. Seja como for, o problema universal permanece, terapia para o qual seria bom desligar as televisões por uma semana. Haja alguém que diga no país do Cruzeiro do Sul do «extremo erro e do extremo acerto» nessa Língua de todos nós, mas que lá se pronuncia «com açúcar», como escreveu Agostinho da Silva (1906-1994), fundador da Universidade de Brasília.

Eduardo Aroso,
 19-10-2018

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

AFORISMO (46)

Milhões de pessoas estão rapidamente a perder a visão: quando olham para um arco-íris só vêem três cores: gosto, comentar e partilhar.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

NA CASA DE JEANNE D'ARC ©

«Estranha forma de vida»
Quando o coração
Sobe mais alto que o sonho!
Guerreira da libertação
Semeadora de Viriatos,
De padeiras de Aljubarrota;
Protectora de Marias da Fonte
Madrinha de todos os heróis sem nome.
Ruiva como o nascer do sol
Pronta a ser parto da nação.
Dentro tinha outra luz
Um coro de vozes
Movendo o metal da espada.
Estranha forma de força
Quando o destino a comandava.

Eduardo Aroso
7-10-2018
Domrémy-la-Pucelle, Loraine, França

sábado, 8 de setembro de 2018


RITO

Palpitava a quietude
Como se houvesse
A sagração do lugar,
A emanção do todo.
Por entre a silenciosa reunião das árvores
Para celebrar o panteísmo
Passou o vento e disse:
Nunca verão o meu corpo.



Eduardo Aroso ©
6-9-2018

sábado, 28 de julho de 2018


 A TRANSDISCIPLINARIDADE E A FALTA DE VENTILAÇÃO ACADÉMICA


O pensamento sistémico, «tentativa de ordenamento da complexidade» (B. Nicolescu), também ele no seio da física quântica, só é possível por uma espécie de salto qualitativo do conhecimento (ou um outro conhecimento) também designado por Transdisciplinaridade, ignorado por uns tantos e combatido por outros, como convém ao “status quo” arreigado ainda nos muros da reforma pombalina que, diga-se, no seu tempo e ainda posteriormente, foi muito mais do que reformadora. Alguns recentes acontecimentos arrivistas sobre a História de Portugal, à volta do Museu dos Descobrimentos ou da figura do Pe António Vieira, fazem pensar no que pouco se tem notado: da nossa excepcional posição de nação de, mesmo perante pressões várias e o panorama mundial que nos entra diariamente olhos dentro, poder afirmar e mostrar a nossa Condição e Destino (José Marinho). Afirmar, porque mostrar deve pressupor afirmação convincente. Enquanto fundamento cultural estruturante, a possibilidade do pensamento sistémico português, encontra hoje mais condições para tal – ou não tivesse A. Toynbee dado um bom contributo ainda que sintético – tomando o conhecimento da História Universal. Comparar, medir, avaliar, sempre foi a atitude do ser humano na sua relatividade de fazer juízos e teses.
 O traço singular do nosso Povo (grafo com maiúscula para distinguir de votantes!), que alguns tentam rebaixar ou ver de um modo difuso, Francisco da Cunha Leão na sua obra chamou-lhe «O Enigma Português» e Álvaro Ribeiro o explicitou admiravelmente em «A Razão Animada». Ao contrário do que possa parecer, temos hoje um palco bem mais amplo para desfazer equívocos de “actores” que entram em cena, não sabendo qual o papel que estão a representar, mesmo que tragam o guião de cor! Esse caminho de desfazer equívocos já foi aberto há muito por figuras várias que hoje, que ao invés de uma devida atitude hermenêutica, como cabe ao saber de nível superior, são completamente ignorados; um atitude que se inscreve aliás num pérfido e mais alargado contexto, como se nota nos alinhamentos ditos informativos (!) e programas culturais, tidos como prioritários sem qualquer fundamento prioritário.
O 1º Congresso Mundial de Transdisciplinaridade (desconheço se outro aconteceu) teve lugar em Novembro de 1994, em Portugal (Arrábida), presidido por figuras como Edgar Morin, Lima de Freitas e Basarab Nicolescu. Dele saiu o Manifesto da Transdisciplinaridade, o qual, ao contrário do alcance que teve por exemplo a afirmação heliocêntrica de Copérnico e Galileu, não tem movido consciências e docências entre nós. No entanto… ela (Transdisciplinaridade) move-se… creio que, mais ou menos solitariamente, pelo menos no CTEC da Universidade Fernando Pessoa. Falta povoar a nação de gente, como queria o tal rei português. Mas hoje também há falta de povoar certas ideias e ideais. A clássica tríade hegeliana (tese, antítese e síntese) se aplicada ao mundo actual, já não pode resolver-se pela síntese, se esta não for colocada no nível transdisciplinar, saindo do mesmo plano horizontal para se colocar (iniciar)  acima, dado que uma síntese pode ser começo de outra tese. Neste pouco oxigenado estado de coisas, por que razão é que nos corredores académicos e outros não há ventilação do pensamento sistémico e transdisciplinar, não o tomando por interdisciplinaridade e pluridisciplinaridade? Já não é possível fugir «ao dogma filosófico contemporâneo da existência de um único nível de Realidade». Quando Almeida Garrett disse «das academias, livrai-nos Senhor!», por certo que não o fez ignorando o analfabetismo primário do seu tempo e que urgia dissipar, mas do que infelizmente ainda hoje existe no panorama do presente de costela jesuítica por um lado e marxista por outro.

Eduardo Aroso
27-7-2018       



terça-feira, 3 de julho de 2018


O OUTRO NOME DA ROSA©

Da raiz às pétalas
Correm todas as seivas possíveis
Sopradas do rio suave e maternal.
E da calçada em plano inclinado
Para muitos é difícil segurar
O equilíbrio das litanias
Entre o sentir e a razão.
Há quem diga que os corações
E os passos nos compassos
Fazem estremecer o tempo…
Ninguém apaga o fogo da memória
Mesmo sobre as águas do Mondego.

Eduardo Aroso
Coimbra, 2-7-2018

sexta-feira, 8 de junho de 2018


POEMA DE INFÂNCIA ©

Nos meus olhos era o começo do mundo
O redondo e de ângulos irregulares da vida.
Eu via as mulheres cariátides tisnadas
Sob a pesada arquitectura do destino.
Não sabia o que isso era
Mas contava as horas
Num ábaco que a terra dá.
A cesta pesando sobre a cabeça
Coroação que os pássaros celebravam.
Só se pode fugir para a vida
Onde a esperança acaba e recomeça.

Eduardo Aroso
Junho 2018

terça-feira, 1 de maio de 2018


MAIO

A terra verte.
De camadas e dobras
Largam flores como navios.
No afinco do rosto
E nos calos da mão
É que nascem rios de perfume.

Eduardo Aroso©
1-5-2018

quarta-feira, 21 de março de 2018



LADAINHA

Por todos os equinócios
Das erupções incógnitas.
Pelos mortos que ainda vivem
E pelos vivos que vão nascer um dia.
Oremos.

Por alguns poetas aprisionados
Sem culpa formada.
Pelo fluir apetecido de uma melodia
Como deslizamento brando de terras.
Oremos.

Pela pátria com doença prolongada
E os restos mortais de Camões
Guardados como primícias a nascer.
Oremos.

Pelas almas sem abrigo nem apólice
Órfãs de orações à porta dos bancos,
Que já se alienaram do próprio corpo.
E pela ressurreição de cada ave
Que caída no chão se levanta
Para olhar de cima
O chão incerto dos planeamentos.
Oremos.

Pela compreensão do sorriso das crianças
E a sabedoria dos anciãos nos seus lamentos.
Oremos.
Oremos.
Oremos.

Equinócio da Primavera, 2018
Eduardo Aroso©


terça-feira, 20 de março de 2018


LITANIA DE SEMPRE

A terra cuida de mim.
Invariavelmente.
Um grito lavra o primeiro dia
E há a brisa quase nada
Que se extingue na impossibilidade
Do prolongamento da tarde.
A terra cuida de mim.
Antes e no fim.

Eduardo Aroso
17-3-2018

quinta-feira, 8 de março de 2018


DA ESCRITA DE  RISOLETA C. PINTO PEDRO SOBRE ANTÓNIO TELMO

Há quem leia nas mãos, outros nos olhos, e há muito menos gente a ler o Portugal oculto, muito embora, em alguns contornos, seja visível em pormenores monumentais, na pintura, no pensamento português e na literatura. Risoleta C. Pinto Pedro deu à estampa a sua mais recente obra «António Telmo, Literatura Ɛ Iniciação», que nos chega como um ânimo atento e consciente da leitura de um dos maiores pensadores portugueses do século XX, árduo labor a que poucos se lançam, ou não fosse este um Getsmani perante o “literariamente correcto”! Aventura difícil que só a alma pode ter como regozijo compensador para quem percorre a verdadeira Tradição, quantas vezes labiríntica, mas que, apesar disso, é a única prova real de que há labirinto, enigma que não se pode anular, mas resolver-se (Pessoa diria «cumprir-se») pela única entrada e saída.
Não seria atrevimento, sobretudo pelos últimos escritos de Risoleta, dizer que esta também persiste em não quebrar o subtil fio de Ariadne, na esteira da via sibilina e serviçal que, por exemplo, uma Dalila Pereira da Costa também percorreu, por certo em tempos e contextos de vida diferentes, mas sempre no único e mor contexto que designa de Portugal, e para alguns de Porto Graal.
O facto da capa de «António Telmo, Literatura Ɛ Iniciação» constar de uma foto, onde vemos o olhar perscrutador de António Telmo, qual radiografia pensante sobre a pedra do Mosteiro dos Jerónimos, sendo um pormenor da obra em causa é contudo algo que não está alheio ao conteúdo do livro. Da sua leitura, ficamos com a serena convicção da autora desta obra nos poder esclarecer - melhor dizendo, aproximar - o leitor do legado de António Telmo. Como se apresentasse, face a face, o leitor ao filósofo e disso resultasse uma atmosfera mais propícia e apetecível para percorrer a sua obra, começando logo pela linguagem cristalina, muito própria de Risoleta. Esta não cai na tentação do que muitas vezes acontece: pretender dizer o que o autor estudado nunca diria, e nós vemos que os corredores académicos estão cheios disso. O que a autora, serenamente, vai operando em cada página, é trazer o que porventura escape ao leitor numa leitura que não capte com mais facilidade todo o manancial télmico. Uma coisa é certa: Risoleta C. Pinto Pedro move-se (e move-nos), não enjeitando a mesma atmosfera anímico-espiritual e na linha fulcral de pensamento do autor de «História Secreta de Portugal». A afeição a essa atmosfera é como um horizonte para além do qual se adivinha não uma mas várias Índias ou a caverna da palavra que ainda nos pode devolver o «pensamento que pensa», o mesmo é dizer para nós que acreditamos que há ainda uma casa ou pátria física e/ou anímica onde se repousa e ganha força para a batalha da vida.
Quanto a essa atmosfera onde Risoleta C. Pinto Pedro se move (e nos move), aí reside o essencial, mas convém dizer que estar no tom, como bem sabem os músicos, não é necessariamente repetir as mesmas frases musicais nota a nota, pois que por variante se pode entender continuar na mesma tonalidade. E se modulação houver, trata-se de dar continuidade ao que não tem deve ter cisão.

Eduardo Aroso
8-3-2018

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018


OS DIAS DA TORRE ©

Lavrada ao alto a desentorpecer o mundo,
Ornada de vogais sonoras
Arcadas d’el-rei
Sonhos límpidos de outrora.
O tempo e a colina
Suportam a raiz helénica
E entre o passar das horas
Busca-se a equação certa.
Virar a página a lição presente
Entre velho e novo testamento.
Um gesto apolíneo interroga o passado.
Não se faça a mão hirta
Sobre um cânone adiado.

Eduardo Aroso©
19-1-2018

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018


A MÁSCARA DA TERRA ©

Não se disfarça a terra
Legítima na vida exuberante
E receptiva para nos dissolver o corpo
Na hora do acto derradeiro e amoroso.
O sorriso da terra dos primeiros rebentos
Confunde-se com a sua resistência
Clamando pequenos rios pluviosos
Escorrendo pelo tronco das árvores.
Um coro de rãs desafia
O piar lúgubre de um mocho.
Antifonal como o dia e a noite.
É de cores e sons em desfile todo o ano
Mas tem a terra uma só máscara:
A do sublime recorte da vida.

Rio de Vide, 13-2-2018
Eduardo Aroso

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

DESAGRAVO A UM POETA 

Ao contrário do que se diz,
Luis Borges não cegou.
Quando pressentiu as estranhas
Sombras da tarde nos seus olhos,
A erupção intermitente
De buracos-negros
Fantasmas luminosos da sua noite,
O poeta aleitava-se das palavras
Sabendo-as da sua alma incorruptível.
Passava-as pelas mãos
A percorrer a pele
E metabolizava-as em íntimo saber.
O poeta nunca cegou
Porque tinha a pedra de esmeril
E algodão sempre à sua beira.

Eduardo Aroso ©
Novembro,2017


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018


PORTUGAL – QUE SENTIDO?

José Marinho afirmou que «em Alcácer-Quibir Portugal salta para fora do tempo». Terá esta sentença alguma relação com o nosso presente ou um não-presente? Isto é, o tempo que vivemos é medular do nosso sentido de ser Portugal, ou há um interregno histórico inapreensível ao «que mais importa»? É claro que há presente, porque é inegável que, e pese tanto cienticismo actual, para além do enigma que ainda preside ao sentido mais profundo e transcendente dos destinos humanos, há sempre história, e a de Portugal, nos dias de hoje, é o presente qual «cadáver adiado que procria». Mas assim como nas cerimónias dos cemitérios há encontros (e desencontros) imprevistos de pessoas, também estes dias de Portugal nos levam a pensar que nos desencontros se pode aprender muito, o que, para os da "pistis sophia" os leva a acreditar no outro lado da questão – os encontros.

Não me parece absurdo dizer que ainda estamos no passado, de onde nunca saímos, vivendo porventura um actual tempo não-histórico (se quisermos, pouco histórico), não sei se lucidamente, conscientemente, à procura das «Indias que não vêm nos mapas». Entretanto, os que mundanamente dirigem a Europa têm feito de nós um vale de leprosos, (embora no suor do nosso rosto), a quem se atira uma esmola de longe. De outro modo, nem a Europa nos encontra nem nós a encontramos, porque os espaços são os mesmos, mas as almas têm sintonias diferentes. Não há empréstimos nem resgates que valham a corpos mumificados da civilização. Portugal e a Grécia são os fantasmas que aterrorizam os plutocratas do velho continente, porque é sabido que das cinzas renasce a antiga ave sempre mais ágil para voos de longo alcance. Mas…«cumprir Portugal» exige, por certo, um pragmatismo inteligente, «porque o «homem e a hora são um só», sob um Ideal que congregue, ainda que possa parecer absurdo. 

Eduardo Aroso
Janeiro de 2018