sábado, 30 de novembro de 2019



AS DUAS ROSAS©

A rosa de Cesariny
Não é a Rosa de Pessoa.
Gémeas, vivem perto.
A do Mário é de espuma
Vai e volta de frescura.
A do Fernando é verbo
Inaudível para uns
Para outros não.
E contudo soa.

Eduardo Aroso©
Agosto de 2019

sábado, 23 de novembro de 2019


A ESTRANHA (OU NÃO) NATUREZA HUMANA E A MÚSICA

Todo o conhecimento serve à diversidade do ser humano para o seu viver. Mas entre ciência e arte há algum mistério que ultrapassa as meras duas “gavetas” onde se poderiam arrecadar cada um destes saberes, como conhecimentos diferentes, sobretudo na actual era hipertécnica. O deslumbrante é que escutamos hoje uma música de Vivaldi ou Bach com uma necessidade bem diferente da leitura de um invento científico desses idos 3 ou 4 séculos passados. Então a música é mesmo uma necessidade não ultrapassada!
 Byung-Chul Han, na obra «A Salvação do Belo», diz-nos que «o belo é um esconderijo. A ocultação é essencial à beleza. A beleza transparente é um oximoro», o que nos poderia levar legitimamente a especular nessa ocultação da essência da música que fica para além do som ainda que organizado funcionando como um expositor. A ideia de tempo, acima referida, parece também ocultar (guardar) a beleza seja a da música, da arte de Leonardo da Vinci ou daquilo que há milhares de anos foi desenhado nas grutas de Altamira e ainda hoje suscita o nosso espanto.
Eduardo Aroso
23-11-2019

quarta-feira, 20 de novembro de 2019


           AINDA AS CAPELAS IMPERFEITAS OU A VERTICALIDADE APONTADA ©

A atitude monástica espiritual do românico é de alheamento da luz exterior, pese embora, para sobrevivência dos que habitavam o mosteiro, a contraparte mundana do amanho da terra de consequente exposição solar. É uma atitude religiosa nocturna no sentido de subjectividade perante Deus, sem atropelos do mundo sensível, que tem na luz do sol um sinal forte. Talvez na busca da memória helénica esquecida, o alvorecer do gótico trouxe a luz para dentro do templo através da arte dos vitrais que, entre a penumbra e a emanação solar, proporcionava o ambiente ideal de quietude. Além do mais ia ao encontro do arquétipo da construção do templo cristão ditada pelos pontos cardeais.
As Capelas Imperfeitas do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha), na singularidade arquitectónica portuguesa (tal é o caso também, por exemplo, do Mosteiro dos Jerónimos, no chamado «estilo manuelino») apontam para o futuro de um modo que se poderia dizer «a céu-aberto»! No enigma que as envolvem, o de nunca terem sido acabadas, constituem um espaço mínimo que não é menos do que uma bússola apontando a rota das estrelas, ou seja, a verticalidade perdida de Portugal no final da 2ª Dinastia. Depois de percorrido o espaço planetário – sentido mais horizontal da vida - resta a Portugal «cumprir-se» também olhando na vertical, embora os navegadores já o fizessem noutro contexto. As Capelas Imperfeitas parecem ser o sinal para o que mais tarde Fernando Pessoa também viria a chamar a atenção quando levantou o horóscopo de Portugal, colocando Peixes (signo que globalmente nos rege) no ponto mais alto do horóscopo chamado Meio-do-Céu. À imagem dos próprios oceanos que tendem sempre a ir além de limites rígidos, com Peixes na sua relação com os mares, é difícil marcar limites ao que Portugal pode ainda ser. Por outras palavras: é-nos impossível deixar de sonhar, ainda que os ventos fétidos contra o sonho soprem constantemente entre nós.
A observação deste importante pormenor do signo Peixes estar colocado no Meio-do-Céu do nosso horóscopo, não escapou ao filósofo António Telmo (1927-2010) que na sua magistral obra «História Secreta de Portugal» (1977) tomou o tema de Pessoa para uma nunca feita hermenêutica da História de Portugal à luz do que o poeta de Mensagem e astrólogo colocou em traços gerais, porque –estranhamente, ou não – Pessoa apenas coloca os signos e graus no início das respectivas casas, e não planetas, como se ocultasse exactamente quando é que Portugal nasceu. Tentando corresponder ao convite do Pedro Martins para prefaciar o volume VII das Obras Completas de António Telmo «O Horóscopo de Portugal», o que muito me honrou, pude apreciar a sageza do filósofo combinada com uma invulgar intuição astrológica, que menos aproveitou do que a sua via filosófica, o que se compreende, ainda que Telmo tenha deixado trabalhos astrológicos interessantes de certo significado. No volume VII diz a dado passo, referindo-se à chamada progressão do Sol: «ascende até ao Meio-do-Céu pela dinastia afonsina. Aqui tem Portugal o seu trono, onde se sentou em 1385 D. João Mestre de Avis». Neste ponto mais alto (zénite) do horóscopo com a Ínclita Geração dá-se o início da Expansão ou era oceânica. Eis a razão maior de olhar sempre o ponto alto, ideal de Portugal por cumprir, pelo que as Capelas Imperfeitas, em certo sentido, tenham a sua incompletude, uma ainda não finalização, que se poderia supor pela ausência da cobertura. Todavia, o não haver tecto talvez não seja obra do acaso, “descuido” no qual não se ousou tocar. Quase paradoxalmente, dir-se-ia que, numa espécie de contraponto, é impossível não nos vir à memória as palavras convictas do mestre Afonso Domingues, que dentro do mosteiro se referia a outro cenário no espaço quando proferiu a célebre sentença: «a abóbada não caiu; a abóbada não cairá». A Grande Obra continua.
Eduardo Aroso
19-11-2019