DA POESIA
Com raras excepções, a poesia
contemporânea perdeu o sublime poder de invocar, de tal modo a haver
estremecimento, causar o «espanto»
naquele sentido que os gregos davam à sensação total (holos) perante o Cosmos, de
indescritível admiração eivada de algum medo, reflexo da própria pequenez
humana perante o ímpeto invocatório fosse aos deuses ou a terríveis forças
telúricas. Depois do romantismo alemão percebeu-se o corte da poesia com a
Natureza, bastaria ler os «Hinos à Noite» de Novalis. Entre nós, na «Oração ao
Pão – Oração à Luz» de Guerra Junqueiro, encontramos os últimos vestígios desse
estremecimento. Hoje, a ida à praia, por exemplo, é um acto biológico exterior
- ainda assim tonificante - cheio de saudade da perdida Natureza oculta.
A entoação, ou canto, que o hexâmetro grego provoca na leitura da «Ilíada», ou, de outro modo a cadência entoada em «Os Lusíadas», ou até em alguns poemas do modernismo brasileiro de Jorge de Lima, por certo já escasseia na poesia nova que, quantas vezes causando surpresa repentina e repleta de belas ironias e metáforas aladas e completamente imprevisíveis, pouco nos faz estremecer. O gosto pelo poema curto, ou pelo aforismo, muito embora nos surpreenda e possa mesmo encerrar uma sensação estética quase fulminante, seria como comparar um pequeno prelúdio musical que, podendo todavia ser uma obra rara, não pode alcançar a mesma atmosfera de uma sinfonia! Como diz Lamberto Maffei, o pensamento rápido – que hoje tomou conta da maior parte dos cérebros - «não apela à memória».
Bem pode Prometeo continuar a
ofertar-nos o fogo trazido dos deuses, servido na taça mais sedutora, com
sobremesa de ambrósia, que na era não só pensamento como do sentimento digital,
olhando ansiosamente o relógio, prefere-se o prato de “fast food”, que prepara
uma geração para eliminar sílabas de palavras, numa prática pavloviana por
dissílabos. Mas ainda há um resto fé nos versos de Gedeão, no seu grito poético
de optimismo ao «mundo que pula e avança/como bola colorida/entre as mãos de
uma criança».
20-1-2022