sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

 DA POESIA

 

Com raras excepções, a poesia contemporânea perdeu o sublime poder de invocar, de tal modo a haver estremecimento, causar o «espanto» naquele sentido que os gregos davam à sensação total (holos) perante o Cosmos, de indescritível admiração eivada de algum medo, reflexo da própria pequenez humana perante o ímpeto invocatório fosse aos deuses ou a terríveis forças telúricas. Depois do romantismo alemão percebeu-se o corte da poesia com a Natureza, bastaria ler os «Hinos à Noite» de Novalis. Entre nós, na «Oração ao Pão – Oração à Luz» de Guerra Junqueiro, encontramos os últimos vestígios desse estremecimento. Hoje, a ida à praia, por exemplo, é um acto biológico exterior - ainda assim tonificante - cheio de saudade da perdida Natureza oculta.

A entoação, ou canto, que o hexâmetro grego provoca na leitura da «Ilíada», ou, de outro modo a cadência entoada em «Os Lusíadas», ou até em alguns poemas do modernismo brasileiro de Jorge de Lima, por certo já escasseia na poesia nova que, quantas vezes causando surpresa repentina e repleta de belas ironias e metáforas aladas e completamente imprevisíveis, pouco nos faz estremecer. O gosto pelo poema curto, ou pelo aforismo, muito embora nos surpreenda e possa mesmo encerrar uma sensação estética quase fulminante, seria como comparar um pequeno prelúdio musical que, podendo todavia ser uma obra rara, não pode alcançar a mesma atmosfera de uma sinfonia! Como diz Lamberto Maffei, o pensamento rápido – que hoje tomou conta da maior parte dos cérebros - «não apela à memória».

 Bem pode Prometeo continuar a ofertar-nos o fogo trazido dos deuses, servido na taça mais sedutora, com sobremesa de ambrósia, que na era não só pensamento como do sentimento digital, olhando ansiosamente o relógio, prefere-se o prato de “fast food”, que prepara uma geração para eliminar sílabas de palavras, numa prática pavloviana por dissílabos. Mas ainda há um resto fé nos versos de Gedeão, no seu grito poético de optimismo ao «mundo que pula e avança/como bola colorida/entre as mãos de uma criança».

 Eduardo Aroso©

20-1-2022

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

 

 OS DEBATES TELEVISIVOS E A QUESTÃO QUE FALTA:

                        PORTUGAL DEVERIA MUDAR DE NOME?!

 

Na esfera dos artistas, é frequente estes mudarem de nome, isto é, sentem necessidade de adoptarem um outro mais ajustado ao que são. Num outro âmbito, a questão poder-se-ia colocar para o nosso país. Já não somos o Portugal do rei Fundador que, num gesto pioneiro de verdadeiro ecumenismo, fazia pactos com chefes muçulmanos na perspectiva do lema «viver e deixar viver»; nem do país do Rei-Lavrador que laborou mais pela Língua Portuguesa do que qualquer governo dos últimos cem anos; porque também já não somos o Portugal da Ínclita Geração, à qual têm sucedido algumas ímpias gerações; ou mesmo do Portugal que ao fim de  sessenta anos resolveu não querer mais o jugo castelhano, gente do Interregno à qual sucederam gerações que lá conseguiram resistir ao mapa cor-de-rosa e posteriormente outras que se prestam a cobaias de manobras internacionalistas, ao mesmo tempo que se envergonham do melhor da nossa gesta histórica, enquanto alguns de fora a têm estudado com afinco. Pode-se dizer que uma das últimas notáveis gerações foi a da Renascença Portuguesa (uma verdadeira elite cultural que hoje é mal vista no mundo académico) bem como do nosso Modernismo. Sufocados por cerca de um século de positivismo e nihilismo do Círculo de Viena (1922-36) que instituiu o paradigma hoje vigente em toda a Europa, por cá, hoje nos debates televisivos, chegámos à usurpação total dos nomes «Portugal» e «portugueses», como se fossem peças mecânicas de substituição rápida, onde a palavra educação nem uma vez é mencionada no debate dos dirigentes dos dois maiores partidos políticos.

Por tudo isto e do muito mais que se poderia dizer, é caso para perguntar se, em abono da verdade, Portugal não deveria mudar de nome. Há quem não goste de termos como «enigmático» ou «misterioso», admitindo que só a visibilidade pelo sensorial pode explicar tudo. Contudo existe algo de profundo e subtil que não sendo irracional também se furta a certo racionalismo, a deduções de causas meramente eficientes e funcionais (termos tão gratos a políticos e economistas do “mainstream”). O que há, firmado na lenta estratificação histórica, é um nome do qual é difícil dar-se uma cisão total: Portus Cale ou Porto do Graal.

 

Eduardo Aroso

14-1-2022