sábado, 29 de junho de 2019

PORTUGAL E OS DISCÍPULOS DO FILÓSOFO SÓCRATES

Diz a tradição que os discípulos do filósofo Sócrates lhe chamavam «atopos», ou seja, o indefinido ou não localizado, o que se pode entender como alguém intocável na sua sabedoria. Não fosse ele humano, do sumo pensador poderiam dizer abscôndito, raro adjectivo apenas quando se trata da mais alta transcendência. Portugal tem sido entendido como Porto do Graal, terra Ophiussa, lugar de Ouroboros, ou, geometricamente e em estilização, nação com a forma de dois quadrados juntos. Onde sensivelmente eles se tocam, está a cidade de Tomar, foco principal da presença templária, irradiante no passado e ainda hoje magnético. À cidade do Nabão e do Convento de Cristo chamou Umberto Eco “umbigo do mundo”, o que equivale a dizer Plexo Solar ou Sol do Mundo, porque dizer umbigo ou sol tem exacta correspondência, quanto mais não seja pela equidistância daquela parte do corpo aos extremos deste.
 Diga-se que a este propósito convém ir um pouco mais fundo na ideia de centro. Para além do que em geometria representa, originando a circunferência - não esquecer que esta deriva do ponto (centro), enquanto este pode existir sem ela – René Guénon, num contexto simbólico, lembra que a ideia de centro «é passível de uma transposição similar, mediante o qual se despoja do seu carácter espacial, que só é evocado a título de símbolo». Ou seja, existindo, o centro pode ser quase ou mesmo «atopos». Seja como for, o centro é o princípio do qual se parte em qualquer direcção e no plano do pensamento para qualquer raciocínio especulativo.
O tão famigerado tesouro dos Templários que tantas peregrinações e rotas tem conhecido, árduos estudos, e longos debates, não parece ser contudo o ouro de melhor quilate – sendo bom para muitos, é pouco para alguns. Tratando-se do metal brilhante, mesmo que bem guardado, poder-se-ia dar o caso de alguém, até por descuido, entrar num subterrâneo qualquer e dar de caras com tanta riqueza, ainda por cima com a vantagem de se poder registar logo as coordenadas no g.p.s. (! ).  A aproximação dos discípulos a Sócrates, mesmo sendo ele «atopos», por certo era lenta como também o tempo requerido para os eleitos de Pitágoras que, antes de se manifestarem, teriam que observar silêncio durante alguns anos. Posto que o tesouro dos Templários não se encontra de um golpe, parece ser mais fácil a aproximação dos que o procuram, do jeito dos discípulos de Sócrates (estando, é intocável), pois o que seja esse tesouro só pode ser uma Gnose (de acesso merecido e por isso consentido), não se encontrando certamente descendo as escadas de um subterrâneo. Dir-se-ia mesmo que ao tesouro se chega metaforicamente subindo as escadas, que poderão ser as do fogo serpentino da coluna vertebral ou outras, como passar incólume nas que servem a Torre de Babel. Tudo isto nos leva, em convergência, à questão nuclear do que é Portugal: de que centro (atopos?) têm partido os raios infinitos dando lugar a circunferências concêntricas de mais de oito séculos. O paradoxo é que, considerando as últimas décadas de Portugal, no balanço final da sua Expansão e a entrada na sociedade por quotas chamada CEE, é natural haver, noutra ordem, quantas vezes insuspeitada, mais uma circunferência onde parecia não existir, até em pequenas coisas do dia-a-dia onde haja um português no mundo.
 O Portugal oculto tornou-se mais invisível? Tudo é possível até mesmo (considerando o último século) a morte de Portugal proferida por Junqueiro e por outros nos dias de hoje. Pelo simbolismo do ponto e da circunferência, é óbvio que actualmente o movimento desordenado se alheia cada vez mais do centro ou propósito, chame-se-lhe ainda razão maior de Portugal. No plano visível é sabido que o centro de decisão (despojado de símbolo)  parece estar mais em Bruxelas do que no Terreiro do Paço, no Banco Mundial ou outro parecido, não nas veras necessidades do município, não se podendo negar que haja, num centro simbólico algures entre nós, alguma “oposição” salutar e equilibradora. Assim sendo, é decerto «atopos», ao contrário dos que vemos diariamente nas televisões. O centro (que pode ser plural) tem os seus sinais em muitos locais do país. Todavia, além do locus, há o pulsar na História e na Língua. Por acaso, ou não, a palavra Centro e Verbo têm as mesmas vogais pela mesma ordem.  
Eduardo Aroso
Solstício de Verão, 2019