Diz
a tradição que os discípulos do filósofo Sócrates lhe chamavam «atopos», ou
seja, o indefinido ou não localizado, o que se pode entender como alguém
intocável na sua sabedoria. Não fosse ele humano, do sumo pensador poderiam dizer abscôndito, raro adjectivo apenas quando se trata da mais alta transcendência.
Portugal tem sido entendido como Porto do Graal, terra Ophiussa, lugar de
Ouroboros, ou, geometricamente e em estilização, nação com a forma de dois
quadrados juntos. Onde sensivelmente eles se tocam, está a cidade de Tomar,
foco principal da presença templária, irradiante no passado e ainda hoje
magnético. À cidade do Nabão e do Convento de Cristo chamou Umberto Eco “umbigo
do mundo”, o que equivale a dizer Plexo Solar ou Sol do Mundo, porque dizer
umbigo ou sol tem exacta correspondência, quanto mais não seja pela
equidistância daquela parte do corpo aos extremos deste.
Diga-se que a este propósito convém ir um
pouco mais fundo na ideia de centro. Para além do que em geometria representa,
originando a circunferência - não esquecer que esta deriva do ponto (centro),
enquanto este pode existir sem ela – René Guénon, num contexto simbólico,
lembra que a ideia de centro «é passível de uma transposição similar, mediante
o qual se despoja do seu carácter espacial, que só é evocado a título de
símbolo». Ou seja, existindo, o centro pode ser quase ou mesmo «atopos». Seja
como for, o centro é o princípio do qual se parte em qualquer direcção e no
plano do pensamento para qualquer raciocínio especulativo.
O
tão famigerado tesouro dos Templários que tantas peregrinações e rotas tem
conhecido, árduos estudos, e longos debates, não parece ser contudo o ouro de
melhor quilate – sendo bom para muitos, é pouco para alguns. Tratando-se do
metal brilhante, mesmo que bem guardado, poder-se-ia dar o caso de alguém, até
por descuido, entrar num subterrâneo qualquer e dar de caras com tanta riqueza,
ainda por cima com a vantagem de se poder registar logo as coordenadas no
g.p.s. (! ). A aproximação dos
discípulos a Sócrates, mesmo sendo ele «atopos», por certo era lenta como também
o tempo requerido para os eleitos de Pitágoras que, antes de se manifestarem,
teriam que observar silêncio durante alguns anos. Posto que o tesouro dos Templários
não se encontra de um golpe, parece ser mais fácil a aproximação dos que o
procuram, do jeito dos discípulos de Sócrates (estando, é intocável), pois o
que seja esse tesouro só pode ser uma Gnose (de acesso merecido e por isso
consentido), não se encontrando certamente descendo as escadas de um
subterrâneo. Dir-se-ia mesmo que ao tesouro se chega metaforicamente subindo as
escadas, que poderão ser as do fogo serpentino da coluna vertebral ou outras,
como passar incólume nas que servem a Torre de Babel. Tudo isto nos leva, em
convergência, à questão nuclear do que é Portugal: de que centro (atopos?) têm
partido os raios infinitos dando lugar a circunferências concêntricas de mais
de oito séculos. O paradoxo é que, considerando as últimas décadas de Portugal,
no balanço final da sua Expansão e a entrada na sociedade por quotas chamada
CEE, é natural haver, noutra ordem, quantas vezes insuspeitada, mais uma
circunferência onde parecia não existir, até em pequenas coisas do dia-a-dia
onde haja um português no mundo.
O Portugal oculto tornou-se mais invisível?
Tudo é possível até mesmo (considerando o último século) a morte de Portugal
proferida por Junqueiro e por outros nos dias de hoje. Pelo simbolismo do ponto
e da circunferência, é óbvio que actualmente o movimento desordenado se alheia cada
vez mais do centro ou propósito, chame-se-lhe ainda razão maior de Portugal. No
plano visível é sabido que o centro de decisão (despojado de símbolo) parece estar mais em Bruxelas do que no
Terreiro do Paço, no Banco Mundial ou outro parecido, não nas veras necessidades
do município, não se podendo negar que haja, num centro simbólico algures entre
nós, alguma “oposição” salutar e equilibradora. Assim sendo, é decerto «atopos»,
ao contrário dos que vemos diariamente nas televisões. O centro (que pode ser plural)
tem os seus sinais em muitos locais do país. Todavia, além do locus, há o pulsar na História e na
Língua. Por acaso, ou não, a palavra Centro e Verbo têm as mesmas vogais pela
mesma ordem.
Eduardo Aroso
Solstício de Verão, 2019
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