terça-feira, 30 de janeiro de 2018

DESAGRAVO A UM POETA 

Ao contrário do que se diz,
Luis Borges não cegou.
Quando pressentiu as estranhas
Sombras da tarde nos seus olhos,
A erupção intermitente
De buracos-negros
Fantasmas luminosos da sua noite,
O poeta aleitava-se das palavras
Sabendo-as da sua alma incorruptível.
Passava-as pelas mãos
A percorrer a pele
E metabolizava-as em íntimo saber.
O poeta nunca cegou
Porque tinha a pedra de esmeril
E algodão sempre à sua beira.

Eduardo Aroso ©
Novembro,2017


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018


PORTUGAL – QUE SENTIDO?

José Marinho afirmou que «em Alcácer-Quibir Portugal salta para fora do tempo». Terá esta sentença alguma relação com o nosso presente ou um não-presente? Isto é, o tempo que vivemos é medular do nosso sentido de ser Portugal, ou há um interregno histórico inapreensível ao «que mais importa»? É claro que há presente, porque é inegável que, e pese tanto cienticismo actual, para além do enigma que ainda preside ao sentido mais profundo e transcendente dos destinos humanos, há sempre história, e a de Portugal, nos dias de hoje, é o presente qual «cadáver adiado que procria». Mas assim como nas cerimónias dos cemitérios há encontros (e desencontros) imprevistos de pessoas, também estes dias de Portugal nos levam a pensar que nos desencontros se pode aprender muito, o que, para os da "pistis sophia" os leva a acreditar no outro lado da questão – os encontros.

Não me parece absurdo dizer que ainda estamos no passado, de onde nunca saímos, vivendo porventura um actual tempo não-histórico (se quisermos, pouco histórico), não sei se lucidamente, conscientemente, à procura das «Indias que não vêm nos mapas». Entretanto, os que mundanamente dirigem a Europa têm feito de nós um vale de leprosos, (embora no suor do nosso rosto), a quem se atira uma esmola de longe. De outro modo, nem a Europa nos encontra nem nós a encontramos, porque os espaços são os mesmos, mas as almas têm sintonias diferentes. Não há empréstimos nem resgates que valham a corpos mumificados da civilização. Portugal e a Grécia são os fantasmas que aterrorizam os plutocratas do velho continente, porque é sabido que das cinzas renasce a antiga ave sempre mais ágil para voos de longo alcance. Mas…«cumprir Portugal» exige, por certo, um pragmatismo inteligente, «porque o «homem e a hora são um só», sob um Ideal que congregue, ainda que possa parecer absurdo. 

Eduardo Aroso
Janeiro de 2018