sábado, 17 de dezembro de 2016


NATAL AUTOBIOGRÁFICO

A criança que vive dentro de mim
Cresceu e ri-se dela própria.
Agora vê-se em todas as idades:
Andando devagarinho com dores nos ossos
Ou dando cambalhotas no jardim...
Só não se vê Menino Jesus
Porque fez certas maldades!

Eduardo Aroso
Natal 2016

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

8 DE DEZEMBRO

Da mão direita de Deus
Nos disse o místico Antero,
Intenso no pensar
Busca de mais Alto...
Em simultâneo vero.
Hoje recordo a pureza dos braços
Antigos e maternais,
Padroeira de toda a hora:
Das manhãs radiosas
E das lutas, vendavais.
O teu regaço mais belo
É Portugal da ocultação
Desígnio e amor de sabê-lo.
Vela na dolorosa busca
Senhora Nossa da Conceição!

Eduardo Aroso
8-12-2016

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

AFORISMOS (43)

Não querer saber dos pés que nos sustentam (apenas eles) todo o corpo no movimento terrestre, é não querer saber de nós próprios e, por analogia, de Portugal, em cujo horóscopo Fernando Pessoa inscreveu o signo Peixes, regente dos oceanos e, anatomicamente, dos pés. Também Bandarra, quiçá podendo ter exercido outra profissão, fez sapatos para os pés. Não tenho o atrevimento de dizer como o Mestre «quem tiver ouvidos que ouça», mas fico sempre a cismar se o Sapateiro de Trancoso algum dia terá perguntado a alguém o que pensava da sua profissão. (Post scriptum - Está frio. Os pés gritam por agasalho...)

Eduardo Aroso, 2-12-2016

sábado, 19 de novembro de 2016

AFORISMOS (42)

Quanto ao Destino somos pouco mais que autómatos, ainda que esse superior desenho da pátria necessite de consciências despertas. Se no mundo das aparências Portugal foi abandonado por Deus, isso quer dizer que na esfera do espírito nos podemos suster sem o invisível amparo que têm as nações ainda na sua idade juvenil – hoje no deslumbramento da ideia de progresso como produção. A prova da solidão, isto é, do caminhar sozinho entre os outros, só tem lugar nas almas evoluídas, bem como nas nações que aspiram a um epílogo que, findo também o seu calvário, seja de redenção. O mar como sentimento - «ó mar salgado» - perto e ao mesmo tempo abrangente, anseia também por uma razão maior que é o céu. Toda a verdadeira metáfora aspira a ser símbolo.

Portugal, 19-11-2016

Eduardo Aroso  

sexta-feira, 11 de novembro de 2016


URBANIDADES
E A MORTE DE INÊS©


Entre meridianos de saudade
Sopra uma aragem
De voltas e retornos.
Escrevem-se as sebentas
Nos átrios idos e presentes.
Orçamentos são equações e silogismos
Difíceis de ler com detalhes ausentes.

Um delírio-sonho
Com que a cidade se veste.
E se a verdade do Mondego
For hoje o rio Lethes?!

Resignadas laringes
No tempo abstracto cantando.
Ferido o coração de Inês,
É o mesmo punhal
No ventre da urbe,
Silêncios arfando,
Lâmina de rua,
Artéria fatal.


Eduardo Aroso ©
Coimbra, 11-11-2016





domingo, 30 de outubro de 2016

Avenida D. Manuel I
(Alcochete) ©

Paira ainda sobre o Tejo
O seu olhar fixo de estátua
Feita de matéria escura.
Venturoso foi o seu olhar primeiro.
Hoje mais que névoa ou nevoeiro
É a janela estreita
E a frouxidão do longe
A nossa desventura.

Eduardo Aroso ©

Alcochete, 30-10-2016


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

AFORISMOS (41)


Dar de caras com a poesia.
Sem prefácios nem apresentações de figurões. Dar de caras, pode assustar ou não pela beleza súbita. O imprevisto não requer uma espécie de legítima defesa, mas permite ver, por algo que nos atravessa, se tal poesia é um sol que abrasa e absorve, ou se apenas é um planeta caído no fragmento de um asteróide, que há muito deixou de ser habitado.

Eduardo Aroso
Outubro, 26-10-2016

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

CRIANÇAS ©

No Lago do Gana
Muito se chora
Muito se engana

No Lago do Gana
Vive o silêncio
E ninguém chama

Estranha geografia
De que mundo afinal
Presente no mapa
Sem voz fraternal

Crianças passam
No lago maior
De muitas águas
E pouco amor.

No Lago do Gana
As águas são negras
E muito se engana.


16-10-2016
Eduardo Aroso ©


sábado, 8 de outubro de 2016


PARÁBOLA DE CIRCUNSTÂNCIA

Portugal, nos dias de hoje, é um resto de vindima. Alguns ainda voltam atrás, vão ali e acolá, andam à volta de alguma cepa, para ver se ficou algum cacho luzidio que outros não viram. Quanto à limpeza do lagar, há gente que tem o cuidado de deixar limpo o cesto das suas uvas; outros não se importam com isso, e, mais atafulhados, pegam em qualquer cesto ainda cheio de uvas, pois querem o (muito) vinho: depressa e bem. Da próxima colheita nada se sabe. Ma é de esperar que o Senhor da vinha, seja de que modo for, comece a pedir contas da vindima.

Eduardo Aroso

8-10-2016  

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

«NÃO VOS DISSE ESTAS COISAS DESDE O PRINCÍPIO, PORQUE ESTAVA CONVOSCO» JOÃO, 16:4

A Esperança existe, mas deve ser tomada de onde se requer. O fim de um ciclo histórico - seja universal, seja o que a nós portugueses respeita – não é terreno favorável a um pensamento que possa, antes do tempo, (re)erguer o que ainda declina. Pensamento que, por mais encorajador e profético, não pode fazer da manhã o que é entardecer. Apenas o que move o pensamento pode gerar o imprevisível, sendo então o pensamento “da mesma carne” que o abscôndito princípio que ditou o Logos. Morder a cauda provoca essa espécie de escuridão bíblica apocalíptica, em que num breve espaço de tempo tudo se escurece, para depois raiar de novo a aurora do Criador.
Um filósofo hindo-brasileiro de pendor místico disse há alguns anos que “este é o tempo dos atrasados». Uma afirmação tremenda de verdade, que, ao contrário do que parece evidente, explica o crescimento da banalidade, a ascensão da mediocridade como paradigma, tudo isto dando o crescimento do mal. Nenhum homem de sabedoria se escuta nos média, numa conversa de café ou de clube recreativo de bairro.


Eduardo Aroso, 28- 9-2016

domingo, 25 de setembro de 2016

ü     DA CONSTRUÇÃO DO TEMPLO (1)

A pedra mais sólida do templo é a que se coloca em amoroso silêncio, como o luar mais límpido se espelha num lago na quietude nocturna. É a própria luz, e não uma voz troante, que mostra o que se deve mostrar. O acto diário de ser, o gesto simpático que tantas vezes ilumina o outro como um voo de ave no céu, isso é também a construção do templo. Fazer o melhor que é possível aumenta sempre a auréola do templo. Porém, o que lhe dá a fortaleza contra tempestades súbitas do mundo e os efémeros gostos de cada época, é o sacrifício consentido de uns tantos, soldados e generais em simultâneo, talhando as directivas e logo fazendo, pois, como disse um poeta «o esforço é grande e o homem é pequeno».
 A construção do templo, seja o de cada um, vestimenta luminosa do corpo-alma, seja um outro mais amplo daqueles que voluntariamente não abandonam a seara do Senhor, Servidores Invisíveis do Arquitecto-Mor, segue sempre o seu percurso como a marcha do tempo, mesmo na apatia e desconforto de alguns dias, ou se a escuridão momentânea se abate sobre os braços vigilantes dos obreiros. Permanecer é um sentimento de certeza de que aquilo que se ergue nenhuma erosão desgasta e nenhum falso profeta ousará aproximar-se onde a luz da verdade e do amor queima a mentira.

Eduardo Aroso ©
Equinócio de Setembro, 2016


quinta-feira, 22 de setembro de 2016


A VISITA DO AMADO SENHOR ©

Esta é a tua casa, Senhor,
A que reconstróis a cada ano
Com a cal mais luminosa
Luz sobre o nosso viver insano.

Este é o teu gesto, Senhor,
Que basta para nos suportar.
O teu regaço seguro e manso
Que nos faz no espaço flutuar.

Quando regressas em Setembro
Para nós tardes mais calmas,
Despedidas de folhas melancólicas
Mas há primavera em nossas almas.

À janela bem aberta da ansiedade
Olhamos o céu de dentro e o de fora.
Entra Senhor, a casa é Tua
Desgastada por nós a toda a hora.

A porta, Senhor, nunca fechada,
Tu mesmo a abriste sob escolta
Da turba de algozes esquecidos do Pai,
No Teu amor-doloroso do Gólgota.

A porta aberta de par em par
No umbral uma humilde oração.
Nada mais temos para receber-Te
Do que singelas flores do coração.

Eduardo Aroso ©

9-9-2016

sábado, 17 de setembro de 2016

DA ESFÍNGICA INTERROGAÇÃO ATLÂNTICA

«Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado»
Mensagem, F. Pessoa

Por que é que o nosso olhar desafia a Esfinge? Se esta, nos confins do deserto do Saara, olha persistente e inamovível o oriente, Portugal fita o lugar onde o sol se põe, tão bem lembrado por Unamuno e por Pessoa.  Fitar o ocidente, que é como quem está perante o fruto maduro de mais um dia, ou de um grande ciclo histórico, o que, pela analogia,  adensa o mistério, pois em matéria de simbologia pode levar-nos a outras visões.
Se a Esfinge formula o enigma da vida e da morte, o que é consequência do Portugal das Descobertas, o lusismo ou lusofonia que «falta cumprir»,  interrogando o ocidente, pode muito bem desafiar a síntese de muito do que tem sido a História. Se Portugal não pode representar o que é de outras nações, fez-se por sua natureza liame para ainda celebrar o bodo da mesa fraternal, comunhão universal que clama por ser.
Nessa síntese, que é como diz encerramento de ciclo, abre – paradoxalmente no vazio – o espaço do novo, seja já «a madrugada irreal do Quinto Império», seja, noutro nome, «A Nova Terra e os Novos Céus». A esfinge que, na nossa imaginação, se senta no ponto mais ocidental, o cabo da Roca, olhando o Cruzeiro do Sul, se no arquétipo universal é a mesma do Egipto, no Plano da Manifestação pode ser a esfinge atlântica que, ao invés, de interrogar viajantes e marinheiros sobre o enigma da vida e da morte, o faça sobre o sopro que atravessa a Esperança. Se o oriente é já o sol nascente, imagem do acontecer, o lugar onde desce o astro-rei é o da Esperança do regresso, não de modo sebástico e incerto, mas já na certeza intocável do Amor criador diário. «Verei o Criador nas criaturas», como sentiu e escreveu Frei Agostinho da Cruz, parece ser o repto lançado a quem, por água ou pelo ar, cruza o oceano, numa atitude que ultrapassa o imediatismo de Deus ser brasileiro ou macaense (!). A esfinge atlântica talvez peça a senha da palavra poética como graça para a fraternidade das criaturas.

Eduardo Aroso,

Lua Cheia de Setembro, 2016 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

OUTRAS TORRES

«Nada ofende mais os deuses do que a arrogância dos homens» dito da antiga Grécia. 

As torres de babel constroem-se sempre com o afã de que são para sempre. Porém, à medida que se sobe nos andares, com o aumento da confusão total - característica da sua existência – os seus habitantes ficam insuportáveis uns com os outros e pela lei da sobrevivência do comando das operações, chegam a praticar uma espécie de antropofagia. São construtores equivocados cuja massa de construção é o suor alheio e na ilusão de que se pode falar de um modo e ter uma prática contrária.
A tal faca que na política está sempre preparada é a mesma que pode meter artigos na imprensa e na televisão, ocupando o espaço legítimo também de outros. São mais essas facas do que as muitas que se vendem nas feiras de Portugal. As torres de babel existem por todo o lado e nas mais variadas formas. Mas quando chegarem os respectivos vendavais, pois a Natureza é justa no tempo certo e não no calendário feito pelos humanos, o povo é que é chamado para tirar os destroços.
Fica o vazio como aquelas cidades chinesas de agora que não têm ninguém, ou como aquilo que se conheceu por efeito de Detroit, ou, como entre nós, se ergueram as torres de babel de cor esverdeada que são os eucaliptais.

Eduardo Aroso, 13-9-2016 

domingo, 11 de setembro de 2016

A PEDRA DE SÃO CAETANO ©

A pedra dava para todos.
Havia a fome dela,
Digo de estar com ela.
Apetecia no Verão
Porque nem o calor lhe tirava
A frescura do diálogo.
As mortificações do dia
À noitinha
Todas vinham ali dar
E tudo se sabia.
Era o fórum sem contemplações
O pacto do negócio
Assinado pelo aperto de mão
Na palavra incrustada no fundo sagrado do carácter.

Eduardo Aroso,©

 11 de Setembro de 2016

sábado, 3 de setembro de 2016

INICIAÇÃO

Desentranha a viagem
Como se a visses ao microscópio
Ou mesmo na nostálgica luneta de Galileu.
O segredo é oculto e vertical.
A ida e o regresso
São as duas serpentes
Que fazem o caduceu.

Eduardo Aroso
Setembro, 2016



sexta-feira, 2 de setembro de 2016


A recepção do sol como terapia, sendo benéfico quando há certa inclinação da sua luz em relação à terra, assemelha-se ao entendimento da verdade pelo ser humano comum: se ela lhe caísse em cima, como o astro-rei à hora do meio-dia, talvez não aguentasse tanta força... Claro que o boné ou o protector solar será todo o percurso do pensamento que leve à realização espiritual.
Leia-se também como Eudoro de Sousa aborda o Mito de Psique na sua obra «Quem vê Deus, morre...». Lisboa (s.n.), 1947 (Separata do número cinco da revista "Atlântico".

   
Eduardo Aroso, 2-9-2016






   






domingo, 21 de agosto de 2016

O ANTIQUÁRIO

Em Estremoz vivia.
Era tão antigo
Como a noite e o dia.
Tomé Natanael
Incarnado estava,
Mas falava à luz
Da lâmpada viva
Que dentro havia.
Tinha a peça mais rara
Que era um espelho
Que sempre estava,
Que parecendo velho
Se transmutava novo.
E era tudo:
A essência do povo
Varanda da alma,
Janela manuelina,
Espelhar de oceano
Viam-se todas as naus
Pela nossa neblina,
Dava o espelho a visão
De cada um encontrar
O verdadeiro arcano.

Eduardo Aroso
(Terras de Portugal, 20-8-2016

Dia de S. Bernardo)

sábado, 13 de agosto de 2016

EVOCANDO ALJUBARROTA, O CONDESTÁVEL D. NUNO ÁLVARES PEREIRA E AGOSTINHO DA SILVA

Num momento histórico em que a laicidade se afirmou como um ponto de não-retorno e os meandros da política se tornaram no lado pior do poço escuro de Hades, o capítulo intitulado ´Política e Santidade´ de «As Aproximações» de Agostinho da Silva, aproximam-nos (permita-se o agradável pleonasmo) de um tema que está longe de se esgotar em qualquer constituição da república, seja em que congresso for, ou mesa-redonda televisiva. O que Agostinho no fundo toca é na intricada problemática transcivilizacional do poder temporal versus (ou não) poder religioso/espiritual, e que, segundo creio, desde remotas eras parece estar incarnado na misteriosa figura de Melquisedeque,  Rei da Justiça, Rei de Salém e Sacerdote do Deus Altíssimo (Génesis 14:18-20; Salmo 110:4; Hebreus 5:6-11; 6:20-7:28). Diz-se que não tem princípio nem fim, e do qual faz parte a linhagem de Cristo.

A ideia de Rei e Sacerdote (como foram alguns faraós), salvo as devidas diferenças de complexidade das sociedades actuais, aparece nesta entrada tumultuosa do séc XXI, no referido texto de Agostinho – embora escrito nos anos sessenta do último século - quando o político, vendo-se ao espelho, pode ver lá no fundo o rosto do santo ou vice-versa. Seres «que se recusaram a separar um plano do mundo do outro plano». Uma utopia possível do governante temporal, tal a mas límpida oração do místico a que pode aliar outra força, sabendo que agita sempre algo nos céus. Agostinho refere algumas figuras, como Gandhi e Lincoln; «o serem santos os ajudou a serem políticos lhes deu mil ocasiões de se mostrarem santos».
Agostinho, se bem lermos, com este texto não afronta a questão do que se veio afirmando depois da Revolução Francesa, da separação de poderes, seja do Estado perante uma ou mais confissões religiosas “oficiais”, ou não, de maiores dimensões ou minoritárias. A questão é a superação pessoal daquele que comanda, e que, para além da força de vontade e saber, pode receber iluminação interior, ou vice-versa. Em certas épocas alguns monarcas nossos mostram isso mesmo ao longo da História, onde, por exemplo, em dado momento se cruzavam o político e o santo nas relações com a Igreja Romana.

Quando o filósofo escreve que «são as duas frentes em que se combate, basilarmente, contra as mesmas hostilidades ou as mesmas indisposições de mundo físico», lança um duplo repto, seja ao santo, seja ao político. Porque «quando aparecem as ideias de deixar a política para os políticos, e cuidarem os santos da sua salvação, aí temos de novo a Serpente pronta a tentar perder». Eis um desafio tão importante como o que se coloca aos jovens de hoje (e este já com mais difusão!): o de se interessarem pela política e não se alhearem dela por outros caminhos.

Nuno Álvares Pereira, essa elevada figura que Pessoa disse ter uma auréola que o cerca, guerreiro e monge, embora não o citando, constitui no texto de Agostinho, e nesta perspectiva, o melhor arquétipo da nossa História, e que não deixa de ser exemplo dessa enigmática e longínqua linhagem de Melquisedeque. O guerreiro e depois santo condestável mostrou, há séculos atrás algo mais heróico, muito antes de ficarmos embasbacados com a frase «Yes we can». De modo mais visível e momentâneo, em Atoleiros e em Aljubarrota ele viveu a verdade do verso pessoano: «o homem e a hora são um só».

Eduardo Aroso

(Cabo Mondego,  14 de Agosto de 2016) 

CONDIÇÃO ORIGINAL ©

O mar é um pêndulo.
Depois da agitação
O rigor das estrelas
Devolve-lhe a ondulação certa.
Não há amplitude maior
Que os braços abertos da espera.

Eduardo Aroso

(Cabo Mondego, Agosto 2016)©

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

ENDECHA ©

Esta ausência de barcos
Dói como a sede no deserto.
Quem urdiu a rede fatal de punhais
Onde o esforço se fere?...

Eduardo Aroso ©

(Cabo Mondego, Agosto de 2016)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

HORA AO RUBRO

Nítida é a pátria
Sobre a nação ausente,
Pedindo a palavra-passe universal.

Descarnados ossos
Reluzentes ao sol
À espera de ressurreição.
Não se cruzam gaivotas com abutres...
Nem os sonhos se abraçam
A pontiagudas lanças.

Uma brisa chega
Leve melodia de canavial;
Sopra do ponto geográfico
Chamado esperança.

Eduardo Aroso
(Cabo Mondego, Julho de 2016)

quarta-feira, 27 de julho de 2016


Somos uns tantos milhões de Cristos em agonia à espera de sair da cruz; cada português é um meio D. Sebastião que, não tendo organizado a expedição a Alcácer-Quibir, quer regressar ao Portugal do mistério e do estranho cumprimento; somos uns tantos milhões onde cada um, emocionalmente, marca o golo da vitória e no dia seguinte não vê a baliza, rodeada de nevoeiro. Somos muitos Velhos do Restelo, desconhecendo que um grupo de excepcionais (que fizeram da idade uma equação ou talvez poema); à volta de uma mesa redonda, pegam nas cartas para o jogo dos quatro elementos.

Eduardo Aroso, 27-7-2016

sexta-feira, 1 de julho de 2016

AFORISMOS (40)

Entramos no labirinto pela porta fatal da ignorância ou do descuido. Para a saída são dadas todas as possibilidades. Antes, porém, é necessário percorrer todos os corredores várias vezes, um quase enlouquecer de desamparo com a promessa de assistência a quem a suplicar. Finalmente, a única saída faz-se em qualquer espaço... 

Eduardo Aroso 1-7-2016


segunda-feira, 20 de junho de 2016


DESÍGNIO

Se uma voz me fala e a não ouço,
Serena-me a paisagem
E a certeza de um rumor
Que é destino e viagem.

O rio corre para o oceano
Quem sabe ao fim do mundo;
De oriente a ocidente
Vai-se pelo segredo arcano.

O rio passa sobre a raiz do tempo
E é no fundo oculto das águas
Que se interroga o movimento.
Aquieta-se a torre lá no cimo
Como se a coragem e a fé
Cumprissem um desígnio.

Eduardo Aroso ©
Dornes - Ferreira do Zêzere, 20-6-2016

(Solstício de Verão)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O MENDIGO 


 Anda pelas ruas da comunidade,
Mas onde pára mais é em Bruxelas,
Agora o grande centro paroquial
Das europeias e finas favelas.

Com o tempo foi guardando no bolso
As mais belas obras - sonhos adiados.
No grande lar da terceira idade
Estão os ideais gregos acamados!

A economia prepara uma grande festa
Transmitida em directo pela televisão.
Na casa da Europa uma placa vai dizer:
Aqui viveram Aristóteles e Platão.

Agosto de 2010
Eduardo Aroso ©


domingo, 12 de junho de 2016

FÁBULA LUSA

Em tempos que ainda estão, numa nação finisterra, havia um bela capoeira à beira-mar plantada. Ora, um dia, perante o agudo canto matutino do galo, algumas companheiras fizeram-lhe o seguinte reparo:
 - Olha lá, é necessário que diariamente sejas assim tão insistente e estrondoso? Ainda nem se vê a luz do dia e já estás a levantar o trompete, arrancando-nos do sono!
- Não é uma questão de ser ou não rei da capoeira e de ter ou não crista alta; se eu não o fizesse, quem anunciaria a aurora?!


Eduardo Aroso
 12-6-2016

terça-feira, 7 de junho de 2016


DA POLÉMICA NUTRIÇÃO

Do erário público
Comem a carne.
Os ossos são para o povo.
Sempre foi assim.
Nada de novo.

Mas sempre existe a cautela
De nunca faltarem ossos
Em quantidade suficiente
(De não haver fome
Completamente)
Distribuídos em certas ocasiões
Mais cedo ou mais tarde.
Porque se assim não fosse
Os ossos seriam dentes
E comeriam a carne...

Eduardo Aroso
Junho, 2016



terça-feira, 24 de maio de 2016

CURA

Volver ao centro
É descoberta,
Alegria de todas as periferias.
Mas o caminho por onde passes
Deve ficar estremecido.
Tudo será o ouvido absoluto
Para escutar de novo a palavra limpa do Génesis.
Da boca de cada pedra sairá som e vida;  
És tu inteiro pelo corpo,
Por certo a nuvem mais densa e carregada…
Não desanimes se o murmúrio é sufocado.
No deslizar que buscas encontras afinação.
Se estás entre o pássaro e o vento,
A seiva generosa e o fulgor da aurora,
Se és caixa de ressonância disto tudo
Soa perfeita a melodia.
Regressam a ti o antes e o depois,
Nesse ponto de equilíbrio
Além da geometria!

Eduardo Aroso ©
24-5-2016


domingo, 15 de maio de 2016


PENTECOSTES EM SANTA CLARA ©

(Ao José Gomes
que labora nesse lado do rio)

Uma rosa abre-se do Alto
Vinda de uma raiz sem espaço.
O tempo é uma boca aberta
Sentado no ínclito regaço.

Senhora, porque passais
Com água e fogo em vossas mãos
Na caridade da espera
Pela gnose da consumação?

Uma rosa abre-se do Alto
Dada em pétalas de fogo
E se há palavras que não soam
Elas cantam no coração do povo!

Eduardo Aroso ©
Coimbra (Sta. Clara, 13-5-2016)

quinta-feira, 12 de maio de 2016

PORTUGALIZANDO (4)

Portugal é uma super-estrutura numa infraestrutura que nunca existiu! O paradoxo é que o alicerce parece estar em cima, por isso os materiais de construção vêm do sonho e do além-história. Basta-nos a baba dos deuses! 
O necessário animar, pelo sopro do Espírito Santo no espaço numa fraternidade criativa. Só aí percebemos a queda definitiva de todos os adamastores; as não limitações de Deus, que certos teólogos gostam de procurar. Se sempre fomos empurrados para o mar, é este ponto uma espécie de purgatório, nem o céu de outrora nem o inferno de agora onde morrem todos os sonhos e esperanças. Mar, terra e ar, serão o nosso passeio, como viram Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na via deste último elemento.
Todavia, há um cimento necessário, mas não esqueçamos que esse betão se faz e desfaz pelo sopro do tempo. Chamemos-lhe então simplesmente cimento do tempo, um heterónimo que se cria e se desfaz. Mas nele, como disse o bispo brasileiro D. Helder da Câmara, «não se pode prègar religião a estômagos vazios». Nem religião nem nada. Até as formas atraentes do sonho nos podem parecer fantasmas se um ancião tem que dormir num quarto húmido e não tem sopa para se aquecer de noite. 

Eduardo Aroso
12-5-2016

quinta-feira, 5 de maio de 2016

QUINTA-FEIRA ASCENSIONAL

Ergue-se a manhã névoa de anjos,
Sopro ondulante,
E a seara
Um salmo de espigas
Sonoras, harpas de natura.
Embutida é a esperança
Que há-de redimir a metáfora da fome.
Um fogo brando
Sem começo nem fim
Sustentando o mundo
Entre céu e terra
- E não se consome...

Eduardo Aroso
5-5-2016

sábado, 30 de abril de 2016



A PRESENÇA ©


As mães regressam sempre
Se o tempo nos vacila
E parece desprender-se do coração.
Vêm como um regaço
(A manhã que ainda dura)
Ou numa vertigem,
Doce repouso
Da lua brilhando
Na noite escura.

As mães regressam sempre.
Criam-nos a pulsação
E dirigem-na à distância
Ou na fala apetecida e umbilical.
E mesmo quando tardam
Vemo-las na hora
Mas difícil da nossa respiração.

Eduardo Aroso ©
2016



quarta-feira, 27 de abril de 2016

DO NOSSO TIMBRE

 As vogais são a flor da Língua. As consoantes são o apoio lançando o som puro (vogais) e sustentando-o, do mesmo modo que o jogador de ténis-de-mesa impele a raquete que batendo na bola a projecta no espaço. A perfeição vocálica, qual harmonia da música, depende muito de um espaço de ressonância. Observamos que o palato humano tem uma configuração idêntica a uma abóbada de um templo, e no seu microcósmico funcionamento ensinam os professores de Canto que a utilização do palato é uma técnica fulcral.
Considerando geograficamente o assunto da ressonância podemos observar (escutar) o fenómeno, por exemplo, num desfiladeiro, ou entre terra mar, quando o som das ondas encontra espaços vários e aí ressoa, combinando-se também com outros sons da terra, sendo certo que espaços amplos tendem a prolongar o som. Este, pela natureza dos objectos com os quais se cruza (e é claro também pela natureza do emissor) produz o timbre, um dos elementos essenciais da música, e que depende essencialmente da natureza dos materiais e do modo de obter o som. Ora, tal como as ondas ao longo da costa, em vários contornos, também as vogais emitem-se, prolongam-se, fluem e refluem, eventualmente mudando em subtis nuances o seu timbre. Assim tem sido ao longo de séculos, à imagem das “ondulações” do canto gregoriano nos claustros e abóbadas dos templos.
 Agora uma pergunta: o leitor já imaginou o que seria se todo o som produzido ao longo da nossa orla costeira de repente deixasse de se ouvir? Certamente notaríamos uma estranha sensação – fenómeno nunca sentido – da ausência do nosso som, do nosso timbre natural, realidade a que não damos atenção consciente no dia-a-dia, do mesmo modo que não sentimos directamente no equilíbrio do corpo os ininterruptos movimentos de rotação e de translação da Terra na sua divina marcha.

Eduardo Aroso

2013

domingo, 24 de abril de 2016

ALERTA MÁXIMO

É este o nome da flor.
E não te iludas com sinónimos
Que borbulham
Ao nosso brando consentimento
Que pisa a terra ou o asfalto.
A cor vegetal
Dessa espécie rara
Que se chama Portugal
Sobe lenta
E às vezes em sobressalto
Pela parede do tempo.

Eduardo Aroso
Abril, 2016


quarta-feira, 20 de abril de 2016

PORTUGALIZANDO (3)

Quando os USA nasceram como nação já sabiam que poderiam ser uma espécie de senhores do mundo, porque puderam ver que, com Lutero e Calvino, não seria possível uma Europa una, como recentemente se tem incutido, pois se pela religião se dividiu, pela moeda – bem mais perto da cobiça – mais facilmente se  desmoronava. Considerando a ciclicidade da vida, a uniformização político-económica que Bruxelas tem pretendido fazer na Europa é muito mais nefasta do que, com certas imperfeições, a presença da unidade católica medieval na Europa.

Hoje, o Estado de direito, último reduto para salvar um tipo de democracia desgastada, num jeito de justificação de consciência, não tem impedido uma descarada ingerência na soberania das nações, ao ponto de, em tão pouco tempo, lhes ter provocado os maiores danos. Ouçamos Agostinho da Silva que escrevia no tempo em que se davam vivas à “Europa unida”: «Uma economia que, solicitada pela necessidade de mobilizar grandes capitais para organização do comércio e mais tarde da indústria em larga escala, põe completamente de parte o princípio de lei mosaica mas principalmente de fé cristã de não deixar que irmão empreste a irmãos com o pensamento no juro» (…) «quebrando a unidade do cristianismo, impedindo que mais cedo tivesse o catolicismo, como lhe compete, abraçado o mundo inteiro, e produzindo o capitalismo, o comunismo na sua forma actual, a ciência sem moral e uma técnica que, louca, se enamorou de si própria (...).

Afinal, irreversivelmente, pese embora os benefícios que o protestantismo trouxe pelo desenvolvimento científico e tecnológico, a verdade é que a Europa optou por Lutero e Calvino. A este respeito ainda Agostinho da Silva: «Calvino vai ligar num sólido feixe lógico uma ciência sem fraternidade, uma economia sem fraternidade, uma religião sem fraternidade. A religião que, depois de ter pregado a volta do Evangelho, queima Servet e manda esmagar em sangue a evangélica revolta dos camponeses alemães».

Hoje, como sempre, faz comichão a muitos a realidade histórica de a essência de o povo lusíada ser de cariz universal!

Eduardo Aroso,

20-4-2016

domingo, 17 de abril de 2016

PORTUGALIZANDO (2)

O verbo significa, antes de mais, aceitar Portugal. Quanto ao sentido de aceitá-lo, seria ideal aquele que alguns psicólogos de índole espiritual entendem como tal, isto é, não uma aceitação passiva e fatal, mas numa atitude de não fuga ao que se deve enfrentar, seja de que modo for; tomar o assunto como ele é, inevitável ponto de partida. A dificuldade porém está em saber aquilo que se é, e se Portugal é, será por uma razão maior, a que já se tem chamado missão, mistério ou enigma. Porque o desdobramento (mais ou menos inconsciente), tem sido um caminho onde muitos se têm empenhado, podendo não saber para onde vão.
Tem havido uma espécie de renegação de Portugal, atitude interiorizada como trauma por aqueles factos e episódios dissonantes da nossa história, como a expulsão dos judeus e a inquisição. Este estratificado renegar não é outra coisa do que Leonardo Coimbra expressou num frase lapidar: «Faça cada português as suas pazes com Camões».

Eduardo Aroso,
15-4-2016 

sábado, 16 de abril de 2016

PORTUGALIZANDO (1)


Sob penas de cairmos em tantos desvarios, de cujos exemplos o mundo ocidental abunda - quando o retrocesso desafia - não deve o ser humano em trânsito afastar-se muito daquele ideal que Álvaro Ribeiro propõe e que é título de uma das suas obras mais fecundas: A Razão Animada. O caminho apenas por um dos lados constitui perigo iminente, sobretudo para aqueles que querem «tomar o céu de assalto». Perigo ante a «cisão extrema» de que fala José Marinho numa das suas obras mais representativas do seu pensamento, o que levou António Telmo a dizer (quando se deu à estampa) não ainda ter chegado o tempo para a hermenêutica como convém. Sobre a razão e a alma afirmou Agostinho da Silva que «o perfeito amor exige vigorosa inteligência». 
Ora nesta visão ou (re)união de (aparentes) opostos, e antevendo o cartesianismo, surgiu no século XIV, na Europa, uma figura misteriosa que utilizou o nome simbólico de Christian Rosenkreuz (Cristão Rosacruz) que certamente através dos Templários e talvez de outros impulsionou a ligação Ocidente-Oriente, onde as Descobertas portuguesas pontuaram de um modo incontornável, que só os inimigos de Portugal (fora e dentro) se esforçam por não ver. Alguém já disse que uma razão animada é como no ser humano fazer ponte entre o hemisfério direito e o esquerdo do cérebro. Se é forçado contrapor a essa dimensão geográfica Ocidente-Oriente - que inaugurou a era moderna - a razão e a alma, ou, talvez, melhor, razão/coração, não é incongruente dizer-se que o ser humano dá-se bem com o holos, e o seu fascínio pela unidade é, antes de mais, uma característica dos espíritos livres e pioneiros. 

Eduardo Aroso, 15-4-2016   

domingo, 10 de abril de 2016

EPITÁFIO

O sol levanta-se a ocidente;
Move-o outra iluminação.
É um Cristo-Rei
Vestido de sem-abrigo.
Uma coluna pétrea
Desfaz-se em oração
De santo e plebeu.
E lê-se nas águas do Tejo:
Aqui jaz Portugal
Que ainda não morreu!

Eduardo Aroso
(Terra da Serpente, aos 7-4-2016)


segunda-feira, 4 de abril de 2016

EMOTIVA FORMA MUSICAL

Só conheço uma Fuga
Em que afino inteiramente.
Com um qualquer diapasão
Soa a música incompleta
E o andamento monótono
Com timbres de solidão
Seja LÁ, no SOL,
Ou aqui no DÓ é sempre dor…
Mas se fores tu a dar o tom
É a melodia predilecta
Fica a Fuga em Mi (m) Maior!

Eduardo Aroso
2016



quarta-feira, 30 de março de 2016

AFORISMOS (39)

O paganismo é um modo não racional de entender o divino na natureza. Cada pulsão de seiva é sacramento; um salgueiro debruçado nas águas de um ribeiro é altar onde o vento, em jeito de homilia, explana uma doutrina; a paciência das pedras e das fragas é a paciência de Deus, quando se erguem fitando os seres humanos que passam por elas. Mas ninguém se atreve a perguntar-lhes sobre a sua forma de respirar a vida onde estão por amor.
Das aves podemos esperar  as surpresas do Criador: de um lado para o outro, voando ao Deus-dará, delas nunca sabemos quando nos presenteiam em bandos circulares de movimentos, imprevistos passos de dança!

Eduardo Aroso
Entre a cidade e o campo, 30-3-2016 
DO NOSSO TIMBRE

As vogais são a flor da Língua. As consoantes são o apoio lançando o som puro (vogais) e sustentando-o, do mesmo modo que o jogador de ténis-de-mesa impele a raquete que batendo na bola a projecta no espaço. A perfeição vocálica, qual harmonia da música, depende muito de um espaço de ressonância. Observamos que o palato humano tem uma configuração idêntica a uma abóbada de um templo, e no seu microcósmico funcionamento ensinam os professores de Canto que a utilização do palato é uma técnica fulcral.

Considerando geograficamente o assunto da ressonância podemos observar (escutar) o fenómeno, por exemplo, num desfiladeiro, ou entre terra mar, quando o som das ondas encontra espaços vários e aí ressoa, combinando-se também com outros sons da terra, sendo certo que espaços amplos tendem a prolongar o som.
Este, pela natureza dos objectos com os quais se cruza (e é claro também pela natureza do emissor) produz o timbre, um dos elementos essenciais da música, e que depende essencialmente da natureza dos materiais e do modo de obter o som. Ora, tal como as ondas ao longo da costa, em vários contornos, também as vogais emitem-se, prolongam-se, fluem e refluem, eventualmente mudando em subtis nuances o seu timbre. Assim tem sido ao longo de séculos, à imagem das “ondulações” do canto gregoriano nos claustros e abóbadas dos templos.

 Agora uma pergunta: o leitor já imaginou o que seria se todo o som produzido ao longo da nossa orla costeira de repente deixasse de se ouvir? Certamente notaríamos uma estranha sensação – fenómeno nunca sentido – da ausência do nosso som, do nosso timbre natural, realidade a que não damos atenção consciente no dia-a-dia, do mesmo modo que não sentimos directamente no equilíbrio do corpo os ininterruptos movimentos de rotação e de translação da Terra na sua divina marcha.

Eduardo Aroso,
2013