quarta-feira, 30 de março de 2016

DO NOSSO TIMBRE

As vogais são a flor da Língua. As consoantes são o apoio lançando o som puro (vogais) e sustentando-o, do mesmo modo que o jogador de ténis-de-mesa impele a raquete que batendo na bola a projecta no espaço. A perfeição vocálica, qual harmonia da música, depende muito de um espaço de ressonância. Observamos que o palato humano tem uma configuração idêntica a uma abóbada de um templo, e no seu microcósmico funcionamento ensinam os professores de Canto que a utilização do palato é uma técnica fulcral.

Considerando geograficamente o assunto da ressonância podemos observar (escutar) o fenómeno, por exemplo, num desfiladeiro, ou entre terra mar, quando o som das ondas encontra espaços vários e aí ressoa, combinando-se também com outros sons da terra, sendo certo que espaços amplos tendem a prolongar o som.
Este, pela natureza dos objectos com os quais se cruza (e é claro também pela natureza do emissor) produz o timbre, um dos elementos essenciais da música, e que depende essencialmente da natureza dos materiais e do modo de obter o som. Ora, tal como as ondas ao longo da costa, em vários contornos, também as vogais emitem-se, prolongam-se, fluem e refluem, eventualmente mudando em subtis nuances o seu timbre. Assim tem sido ao longo de séculos, à imagem das “ondulações” do canto gregoriano nos claustros e abóbadas dos templos.

 Agora uma pergunta: o leitor já imaginou o que seria se todo o som produzido ao longo da nossa orla costeira de repente deixasse de se ouvir? Certamente notaríamos uma estranha sensação – fenómeno nunca sentido – da ausência do nosso som, do nosso timbre natural, realidade a que não damos atenção consciente no dia-a-dia, do mesmo modo que não sentimos directamente no equilíbrio do corpo os ininterruptos movimentos de rotação e de translação da Terra na sua divina marcha.

Eduardo Aroso,
2013


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