sábado, 21 de fevereiro de 2015



Não te espante o riso murcho das esquinas
Os rostos pesados pelo adiamento planeado.
Tudo são cargas sugadoras da alma
Deste povo tão curvado.
O olhar o chão
Vértebra sobre vértebra,
Voto atrás de voto
E o resultado são gritos para dentro
Que sufocam acção e pensamento.
Não te espante: o cinismo é claro e não finge
Mesmo quando inauguram praças e ruas
As mentiras são concubinas nuas
Exaurindo Portugal.
Mas se imitam a esfinge
O que neles predomina e mata
É a pata felina de animal.

 
Eduardo Aroso ©
20-2-2015

sábado, 14 de fevereiro de 2015

CRÓNICA (SAZONAL) DOS FINS DO SÉCULO XXI
 A «Comissão do Beijo» apreciou milhares de beijos, perante um público eufórico, só comparável ao das grandes finais de futebol, e perante as câmaras de televisão e ainda dezenas de fotógrafos. Diz-se que, naquele tempo, só coisas assim despertavam as pessoas da melancolia social e política portuguesa. Foi eleito então o par que esteve mais tempo com as bocas coladas, presumindo nós que o beijo já tinha sido dado (uns segundos bastam) e apenas estavam ali a permutar hormonas e não se sabe que mais.
 Alguns psicólogos da época – os que geralmente iam aos programas televisivos da manhã – consideraram isso como a intensidade máxima do amor, tendo alguns elaborado até uma espécie de escala do tipo da que existia para medir imediatamente a hemoglobina dos diabéticos. O governo de então apressou-se a apoiar a iniciativa como factor de estabilização e até sustentabilidade social (curiosamente o que não disse nada sobre o assunto foi o mais alto magistrado da nação, designado, nesse tempo, por Presidente da República). O governo foi generoso e aos casais e os que de qualquer modo coabitavam, de idades abaixo de 30 anos e acima de 10, fez um desconto no IRS desse ano de 0,2%. Imagine-se que até a imprensa internacional deu eco. Aliás, foi a própria ministra das finanças que veio sublinhar que as boas práticas em Portugal devem ser transparentes e vistas por quem quer que seja, e não às escondidas com sacos azuis.   
O ministro da educação, desse ano da graça de dois mil e quinze, chegou a recomendar a prática nas escolas do beijo demorado (fotografado e filmado, pois a História faz-se com documentos!), como uma pedagogia eficaz contra actos bélicos que estalavam em todo o mundo. Um comentador televisivo disse que era uma prática com boa alavancagem, isto é dar-se nas bocas, contando que não se tirasse dos bolsos! Um deles, mais utópico, via nesse dar a boca, durante minutos e horas, o gesto para, no futuro, tapar as bocas de todos os esfomeados do mundo, acabando assim a pobreza, reafirmando que estes beijos filmados eram, portanto, um bom exemplo. Nesse dia cantou-se o hino nacional e os cinemas abriram as suas portas para quem quisesse ver gratuitamente «As 50 sombras de Grey».
Eduardo Aroso (em viagem no espaço e no tempo) ©  

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (32)
 
Todo o passado deve ser corrigido. Porque o acto humano sobre a Terra é sempre imperfeito, e a instintiva ânsia de o tornar melhor é que constitui a razão do presente e do futuro. Talvez por isso, Marx disse que a «História repete-se», mas nãono jeito de uma fotocópia...
 Todos sabemos que, com ou sem «tragédia» da primeira vez e «farsa» da segunda (como queria o pensador germânico), o certo é que o jogo deve ser jogado. Corrigir o passado é jogar melhor agora o jogo. A Grécia ensaia já o tempo futuro para melhores heróis, seja qual for o país onde surja o novo Parnaso. Rectificar o passado é aperfeiçoar o trânsito humano neste mundo.
8-2-2015
Eduardo Aroso  
 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015


 
NOCTURNO ( SEM CHOPIN) 

 
Na rebentação das lágrimas
É que a luz mais se esconde.
A lua cheia atrás do monte
Resigna-se a não se mostrar.
É um uivo doce que se espalha
Como um incenso pela noite.

 
Eduardo Aroso
(Plenilúnio de Fevereiro, 2015)

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (31)
A utopia é a floresta virgem cujo solo a razão ainda não pôde comprovar.
 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

AFORISMOS DE IMANÊNCIA (30)

       Que extraordinária analogia há entre as galáxias que se afastam umas das outras e a crescente solidão e distância dos seres humanos, entre si, pela interposição do excesso de máquinas e tecnologia?