CRÓNICA (SAZONAL) DOS FINS DO SÉCULO
XXI
Alguns psicólogos da época – os que geralmente
iam aos programas televisivos da manhã – consideraram isso como a intensidade
máxima do amor, tendo alguns elaborado até uma espécie de escala do tipo da que
existia para medir imediatamente a hemoglobina dos diabéticos. O governo de
então apressou-se a apoiar a iniciativa como factor de estabilização e até
sustentabilidade social (curiosamente o que não disse nada sobre o assunto foi
o mais alto magistrado da nação, designado, nesse tempo, por Presidente da República).
O governo foi generoso e aos casais e os que de qualquer modo coabitavam, de
idades abaixo de 30 anos e acima de 10, fez um desconto no IRS desse ano de
0,2%. Imagine-se que até a imprensa internacional deu eco. Aliás, foi a própria
ministra das finanças que veio sublinhar que as boas práticas em Portugal devem
ser transparentes e vistas por quem quer que seja, e não às escondidas com
sacos azuis.
O ministro da educação, desse ano
da graça de dois mil e quinze, chegou a recomendar a prática nas escolas do
beijo demorado (fotografado e filmado, pois a História faz-se com documentos!),
como uma pedagogia eficaz contra actos bélicos que estalavam em todo o mundo.
Um comentador televisivo disse que era uma prática com boa alavancagem, isto é
dar-se nas bocas, contando que não se tirasse dos bolsos! Um deles, mais
utópico, via nesse dar a boca, durante minutos e horas, o gesto para, no
futuro, tapar as bocas de todos os esfomeados do mundo, acabando assim a pobreza,
reafirmando que estes beijos filmados eram, portanto, um bom exemplo. Nesse dia
cantou-se o hino nacional e os cinemas abriram as suas portas para quem
quisesse ver gratuitamente «As 50 sombras de Grey».
Eduardo Aroso (em viagem no
espaço e no tempo) ©
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