terça-feira, 24 de maio de 2016

CURA

Volver ao centro
É descoberta,
Alegria de todas as periferias.
Mas o caminho por onde passes
Deve ficar estremecido.
Tudo será o ouvido absoluto
Para escutar de novo a palavra limpa do Génesis.
Da boca de cada pedra sairá som e vida;  
És tu inteiro pelo corpo,
Por certo a nuvem mais densa e carregada…
Não desanimes se o murmúrio é sufocado.
No deslizar que buscas encontras afinação.
Se estás entre o pássaro e o vento,
A seiva generosa e o fulgor da aurora,
Se és caixa de ressonância disto tudo
Soa perfeita a melodia.
Regressam a ti o antes e o depois,
Nesse ponto de equilíbrio
Além da geometria!

Eduardo Aroso ©
24-5-2016


domingo, 15 de maio de 2016


PENTECOSTES EM SANTA CLARA ©

(Ao José Gomes
que labora nesse lado do rio)

Uma rosa abre-se do Alto
Vinda de uma raiz sem espaço.
O tempo é uma boca aberta
Sentado no ínclito regaço.

Senhora, porque passais
Com água e fogo em vossas mãos
Na caridade da espera
Pela gnose da consumação?

Uma rosa abre-se do Alto
Dada em pétalas de fogo
E se há palavras que não soam
Elas cantam no coração do povo!

Eduardo Aroso ©
Coimbra (Sta. Clara, 13-5-2016)

quinta-feira, 12 de maio de 2016

PORTUGALIZANDO (4)

Portugal é uma super-estrutura numa infraestrutura que nunca existiu! O paradoxo é que o alicerce parece estar em cima, por isso os materiais de construção vêm do sonho e do além-história. Basta-nos a baba dos deuses! 
O necessário animar, pelo sopro do Espírito Santo no espaço numa fraternidade criativa. Só aí percebemos a queda definitiva de todos os adamastores; as não limitações de Deus, que certos teólogos gostam de procurar. Se sempre fomos empurrados para o mar, é este ponto uma espécie de purgatório, nem o céu de outrora nem o inferno de agora onde morrem todos os sonhos e esperanças. Mar, terra e ar, serão o nosso passeio, como viram Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na via deste último elemento.
Todavia, há um cimento necessário, mas não esqueçamos que esse betão se faz e desfaz pelo sopro do tempo. Chamemos-lhe então simplesmente cimento do tempo, um heterónimo que se cria e se desfaz. Mas nele, como disse o bispo brasileiro D. Helder da Câmara, «não se pode prègar religião a estômagos vazios». Nem religião nem nada. Até as formas atraentes do sonho nos podem parecer fantasmas se um ancião tem que dormir num quarto húmido e não tem sopa para se aquecer de noite. 

Eduardo Aroso
12-5-2016

quinta-feira, 5 de maio de 2016

QUINTA-FEIRA ASCENSIONAL

Ergue-se a manhã névoa de anjos,
Sopro ondulante,
E a seara
Um salmo de espigas
Sonoras, harpas de natura.
Embutida é a esperança
Que há-de redimir a metáfora da fome.
Um fogo brando
Sem começo nem fim
Sustentando o mundo
Entre céu e terra
- E não se consome...

Eduardo Aroso
5-5-2016