domingo, 28 de março de 2021

A ÚNICA UTOPIA E O AVISO DE JOSÉ MARINHO (1904-1975)

 As ideologias políticas pertencem à esfera do materialismo dialéctico, mesmo aquelas que têm nos seus programas palavras como cristianismo, humanismo democrático, solidariedade e outras. Ainda que possam satisfazer uma ou duas gerações, são efémeras no cortejo da transitoriedade de Cronos, muito embora este nos grite para a necessária fruição do fluir do tempo. “As verdades” das ideologias (também, mas ainda ilusoriamente) podem existir em ciclos de tempo mais dilatados. Por isso, a única UTOPIA pela qual se deve lutar chama-se Deus, o Criador ou até o Grande Arquitecto do Universo, o «O Anónimo de Mil Nomes», como alguém disse.

Quando Nietzsche afirmou que «Deus morreu» decerto entrou e fez entrar muitos naquela faixa da humanidade que se colocou na trágica posição da qual José Marinho fala na sua obra maior e de mais difícil exegese, autêntico apocalipse do pensamento português: «Teoria do Ser e da Verdade». Nela, o autor coloca o problema da Cisão  entre imanente e transcendente, e, e se bem que ela não possa acontecer em absoluto, não deixa de colocar-nos o mais inquietante dilema do nosso tempo. Daí o agravamento do Mal – tema bem caro ao pensamento português, sobretudo desde Sampaio Bruno a Leonardo Coimbra e a António Telmo. É claro, porque realista, que poucos ainda poderão viver de acordo com «Não se perturbe o vosso coração. (…) Eu rogarei ao Pai, Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós» (João:14-16). Esta parece ser a Utopia Maior e para a qual a nossa utopia armilar começou a caminhar há mais de cinco séculos.

 Eduardo Aroso

26-3-2021

sexta-feira, 26 de março de 2021


AFORISMOS (56)

«SE ELES SE CALAREM, GRITARÃO AS PEDRAS» (Mt). Escrito há dois mil anos, derrama-se ainda hoje sobre o nosso tempo, como lava queimante na podre neutralidade conveniente que desafia a paciência de Cronos, esperando que outros resolvam. Esses que desconhecem que o grito das pedras é terrível.

Eduardo Aroso

26-3-2021 

 

 


domingo, 21 de março de 2021

 

Olha para a tua mão direita

E vê que por entre o nevoeiro

O Império futuro aí começa

O Quinto para ser o derradeiro.

 

Gesto será e vindo do Sonho

Em ânimo de Fénix reerguida.

Mas só a alma pode inflamar

A obra de Deus consentida.

 

Olha o céu amplo e redondo

Cada estrela símbolo e sinal,

Onde no silêncio do tempo

Há a Hora de ser Portugal.

 

Eduardo Aroso©

Equinócio de Março, 21-3-2021

sexta-feira, 12 de março de 2021


Rompem da inocência da terra

e atravessam a angústia do mundo

onde há sopros diversos, lanças em punho.

Não chegam ao céu, mas para ele se voltam. 


Eduardo Aroso©

12-3-2021

terça-feira, 2 de março de 2021

O SENTIDO DO PRÉMIO UNIVERSIDADE DE COIMBRA 2021 AO POETA-CARDEAL D. JOSÉ TOLENTINO DE MENDONÇA

Entre o elogio e o alerta - não só à vetusta Universidade de Coimbra como a outras - o agradecimento de Tolentino de Mendonça, verdadeira oração de sapiência (sapiência todavia como um despertador para uma sociedade sonolenta, viciada e viciante), parece rodear-se de um sentido simbólico que cai com rigor e grande necessidade sobre a cidade de Coimbra: a urgência de devolver a palavra aos poetas e aos humanistas, algo que na «cidade dos doutores» tem andado ausente. Todavia, pelo que se ouviu, Tolentino de Mendonça não tirou de um lado para colocar noutro, isto é, tomou a totalidade do saber fazendo a apologia de todo o conhecimento, desde ciência e tecnologia às humanidades e às artes. Todas cumprem a sua mais alta condição: a de estarem ao serviço do ser humano.

 A decisão da escolha do discurso laudatório (e brilhante que foi) sobre o homenageado, feito pelo Prof Dr. José Nascimento Costa da Faculdade de Medicina, coube por certo à organização, assunto que dispensa qualquer interferência externa. Todavia, apresenta-se-nos esse facto como algo a merecer alguma reflexão. Na verdade o apelo do cardeal-poeta às humanidades parece estar a “puxar” também pela história insigne da Faculdade de Letras de Coimbra, por onde passaram notáveis figuras nacionais e internacionais. O facto de não ter sido nenhum docente dessa faculdade a fazer a respectiva apresentação, não desmerece o que José Nascimento Costa disse do laureado que, como referi, se revestiu de muito cativante. Mau teria sido – se foi o caso – ter-se dado primazia à ciência para louvar um poeta, humanista e prelado.

As palavras de Tolentino de Mendonça ultrapassam os muros da universidade, vão até aos quatro cantos do mundo, e sendo que a vida da cidade de Coimbra vai também além da sua universidade, elas caem com fragor (como dizia Antero) sobre a cidade «mãe e madrasta». O autor de «Elogio da Sede» e «A Mística do Instante» veio também subtilmente (como um poeta o pode fazer) insistir para que se devolva a palavra aos filhos da urbe, os esquecidos da «madrasta», os que têm algo a dizer, os que possam ter atitudes dinâmicas sobre o bafio e as águas estagnadas que alagam a memória e as ideias para o futuro. Seria bom que os decisores de Coimbra aprendessem a lição que D. José Tolentino de Mendonça deu.

Eduardo Aroso

1-3-2021