sábado, 17 de setembro de 2016

DA ESFÍNGICA INTERROGAÇÃO ATLÂNTICA

«Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado»
Mensagem, F. Pessoa

Por que é que o nosso olhar desafia a Esfinge? Se esta, nos confins do deserto do Saara, olha persistente e inamovível o oriente, Portugal fita o lugar onde o sol se põe, tão bem lembrado por Unamuno e por Pessoa.  Fitar o ocidente, que é como quem está perante o fruto maduro de mais um dia, ou de um grande ciclo histórico, o que, pela analogia,  adensa o mistério, pois em matéria de simbologia pode levar-nos a outras visões.
Se a Esfinge formula o enigma da vida e da morte, o que é consequência do Portugal das Descobertas, o lusismo ou lusofonia que «falta cumprir»,  interrogando o ocidente, pode muito bem desafiar a síntese de muito do que tem sido a História. Se Portugal não pode representar o que é de outras nações, fez-se por sua natureza liame para ainda celebrar o bodo da mesa fraternal, comunhão universal que clama por ser.
Nessa síntese, que é como diz encerramento de ciclo, abre – paradoxalmente no vazio – o espaço do novo, seja já «a madrugada irreal do Quinto Império», seja, noutro nome, «A Nova Terra e os Novos Céus». A esfinge que, na nossa imaginação, se senta no ponto mais ocidental, o cabo da Roca, olhando o Cruzeiro do Sul, se no arquétipo universal é a mesma do Egipto, no Plano da Manifestação pode ser a esfinge atlântica que, ao invés, de interrogar viajantes e marinheiros sobre o enigma da vida e da morte, o faça sobre o sopro que atravessa a Esperança. Se o oriente é já o sol nascente, imagem do acontecer, o lugar onde desce o astro-rei é o da Esperança do regresso, não de modo sebástico e incerto, mas já na certeza intocável do Amor criador diário. «Verei o Criador nas criaturas», como sentiu e escreveu Frei Agostinho da Cruz, parece ser o repto lançado a quem, por água ou pelo ar, cruza o oceano, numa atitude que ultrapassa o imediatismo de Deus ser brasileiro ou macaense (!). A esfinge atlântica talvez peça a senha da palavra poética como graça para a fraternidade das criaturas.

Eduardo Aroso,

Lua Cheia de Setembro, 2016 

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