AINDA AS
CAPELAS IMPERFEITAS OU A VERTICALIDADE APONTADA ©
A atitude monástica espiritual do românico é de alheamento da
luz exterior, pese embora, para sobrevivência dos que habitavam o mosteiro, a
contraparte mundana do amanho da terra de consequente exposição solar. É uma
atitude religiosa nocturna no sentido de subjectividade perante Deus, sem
atropelos do mundo sensível, que tem na luz do sol um sinal forte. Talvez na
busca da memória helénica esquecida, o alvorecer do gótico trouxe a luz para
dentro do templo através da arte dos vitrais que, entre a penumbra e a emanação
solar, proporcionava o ambiente ideal de quietude. Além do mais ia ao encontro
do arquétipo da construção do templo cristão ditada pelos pontos cardeais.
As Capelas Imperfeitas do Mosteiro de Santa Maria da Vitória
(Batalha), na singularidade arquitectónica portuguesa (tal é o caso também, por
exemplo, do Mosteiro dos Jerónimos, no chamado «estilo manuelino») apontam para
o futuro de um modo que se poderia dizer «a céu-aberto»! No enigma que as
envolvem, o de nunca terem sido acabadas, constituem um espaço mínimo que não é
menos do que uma bússola apontando a rota das estrelas, ou seja, a
verticalidade perdida de Portugal no final da 2ª Dinastia. Depois de percorrido
o espaço planetário – sentido mais horizontal da vida - resta a Portugal
«cumprir-se» também olhando na vertical, embora os navegadores já o fizessem
noutro contexto. As Capelas Imperfeitas parecem ser o sinal para o que mais
tarde Fernando Pessoa também viria a chamar a atenção quando levantou o
horóscopo de Portugal, colocando Peixes (signo que globalmente nos rege) no
ponto mais alto do horóscopo chamado Meio-do-Céu. À imagem dos próprios oceanos
que tendem sempre a ir além de limites rígidos, com Peixes na sua relação com
os mares, é difícil marcar limites ao que Portugal pode ainda ser. Por outras
palavras: é-nos impossível deixar de sonhar, ainda que os ventos fétidos contra
o sonho soprem constantemente entre nós.
A observação deste importante pormenor do signo Peixes estar colocado
no Meio-do-Céu do nosso horóscopo, não escapou ao filósofo António Telmo
(1927-2010) que na sua magistral obra «História Secreta de Portugal» (1977)
tomou o tema de Pessoa para uma nunca feita hermenêutica da História de
Portugal à luz do que o poeta de Mensagem e astrólogo colocou em traços gerais,
porque –estranhamente, ou não – Pessoa apenas coloca os signos e graus no
início das respectivas casas, e não planetas, como se ocultasse exactamente quando
é que Portugal nasceu. Tentando corresponder ao convite do Pedro Martins para
prefaciar o volume VII das Obras Completas de António Telmo «O Horóscopo de
Portugal», o que muito me honrou, pude apreciar a sageza do filósofo combinada
com uma invulgar intuição astrológica, que menos aproveitou do que a sua via
filosófica, o que se compreende, ainda que Telmo tenha deixado trabalhos
astrológicos interessantes de certo significado. No volume VII diz a dado passo,
referindo-se à chamada progressão do Sol: «ascende até ao Meio-do-Céu pela
dinastia afonsina. Aqui tem Portugal o seu trono, onde se sentou em 1385 D.
João Mestre de Avis». Neste ponto mais alto (zénite) do horóscopo com a Ínclita
Geração dá-se o início da Expansão ou era oceânica. Eis a razão maior de olhar
sempre o ponto alto, ideal de Portugal por cumprir, pelo que as Capelas
Imperfeitas, em certo sentido, tenham a sua incompletude, uma ainda não
finalização, que se poderia supor pela ausência da cobertura. Todavia, o não
haver tecto talvez não seja obra do acaso, “descuido” no qual não se ousou
tocar. Quase paradoxalmente, dir-se-ia que, numa espécie de contraponto, é
impossível não nos vir à memória as palavras convictas do mestre Afonso
Domingues, que dentro do mosteiro se referia a outro cenário no espaço quando
proferiu a célebre sentença: «a abóbada não caiu; a abóbada não cairá». A Grande
Obra continua.
Eduardo Aroso
19-11-2019
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