«FÁTIMA
E A CULTURA PORTUGUESA» de Miguel Real
«Sente-se, logo existe (…) a
Presença, porém, basta-se a si própria como explicação e justificação. E como
fundamentação» (página 51)
O
título da obra não induz ninguém em erro, qualquer que seja o pensamento de
cada um sobre tão problemático tema, pois o autor, ao contrário de muitos
outros, ao escolher tal designação não vem, afanosamente, defender uma tese pessoal. Miguel
Real, numa visão omniabarcante do pensamento ao longo da história (como ele
superiormente sabe fazer e tem o mérito de expressar), empenha-se em situar o
fenómeno das Aparições na cultura portuguesa desde o passado mais ou menos
remoto até ao que se projecta na nossa contemporaneidade.
O
autor debruça-se bastante sobre o período que vai do final da monarquia e ambiente
da república (1910), percorrendo-a e sublinhando mormente a época fracturante
do sidonismo, chegando ao salazarismo e ao actual regime democrático. Se o
caudal de informação, onde notamos a vastíssima bibliografia lida por Miguel
Real, apresentando passagens elucidativas, o que por vezes nos parece excessivo
(como se o autor quisesse quase abordar outro tema), o certo é que no último
capítulo da obra se percebe tal necessidade, para assim situar, como é jus, os
acontecimentos da Cova da Iria na linha da história, da religião, da própria
igreja católica (em face até de outras) de algum modo da sociologia, e
sobretudo da nossa condição mítica e iniludível genética transcendental.
Algumas sínteses deste livro poder-se-iam aqui apontar, mas, por conveniência
de brevidade, dir-se-ia que, sendo óbvio que o fenómeno da Cova da Iria não se
insere numa lógica racional, ou pelo menos racionalista, ele obedece necessariamente
a outra lógica em que a sua justificação não assenta tanto na argumentação, mas
essencialmente na peculiaridade de todo o processo português (se quisermos
desde Ourique) providencialista e mítico, com toda uma sintomatologia do
transcendente que há em nós. Se existe (ou veio a existir) uma relação alterada
no triângulo Aparição/Visão/Manifestação (ou o que quer que tenha sido) Igreja
e Estado, permanece o enigma na continuidade, que pese embora o palco mundanista
hoje montado para o efeito, ele não apaga a realidade subterrânea de Fátima que
todavia persiste. Do que disse também o Professor Moisés Espírito Santo, em «Os Mouros
Fatimidas e as Aparições de Fátima», vê-se que essa realidade subterrânea teve
provavelmente a sua génese nessa região, mesmo antes da própria fundação de
Portugal, pelo que 1917 seria outra manifestação moderna, quem sabe se do
Inominado.
Eduardo
Aroso ©
16-11-2018
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