«O movimento
da filosofia deverá consistir, pois, não em fugir para um mundo suprassensível,
mas em tomar consciência da imensa força na qual vivemos e somos, - em
encontrar o dissolvente universal.
(Arte Poética)
O declínio
da Palavra no ocidente tem sido a causa maior da ilusória busca do orientalismo
espiritual não só como rápida panaceia para os males da sociedade do apogeu do
consumo material, como também para uma via espiritual por excelência dos
pensadores que esgotaram a sua exegese mais profunda no seio das igrejas. Seja
por uma rápida atitude, como quem já não vai a Fátima, para querer peregrinar
por outras bandas, seja na busca de razões para entender o chamado renascimento
ou reincarnação ou mesmo esse ignoto sentido do silêncio como alicerce de toda
a Criação.
No primeiro caso, vemos a profusão de incensos em cada esquina, ou
posturas corporais (quantas vezes chamando yoga ao que não é yoga), mas que
prometem um quase imediato adiantamento da alma. Tem sido este o refúgio de um
mundo que, tirando vantajosamente o pó que vinha acumulando, condicionou-se entre
as hostes marxistas e os corredores jesuítas.
A proliferação de inúmeros livros
de auto-ajuda parecem ter esquecido a máxima helénica «conhece-te a ti mesmo»,
porque também ao declínio da Palavra corresponde um preocupante afrouxamento da
vontade.
A
desesperada busca do silêncio (desesperado acto também da (re)ligação à
Natureza perdida), se é verdade que lhe confere a essência sagrada habitante no
caos como possibilidade de tudo poder-vir-a-ser, de outro modo não pode ser o
refúgio ilusório ocidental onde se tentam ludibriar os traumas que a
adulteração da Palavra (quando não profanação) tem trazido. Uma abordagem mais
exigente entre nós, na busca de insondáveis gnoses que ultrapassem academismos
e ortodoxias enxertadas, parece ter esquecido a tradição templária e o sinal da
Rosa que foi colocado no Convento de Cristo de Tomar, ainda antes dos primeiros
Manifestos Rosacruzes surgidos na Alemanha. A rápida divulgação do budismo no
ocidente e de um modo específico em Portugal, curiosamente apetecido por
algumas classes cultas e de jovens, pese embora a sua inquestionável condição
benigna de remeter o ser humano para a sua essência, sendo por isso o ideal
para muitos ocidentais, não vem esclarecer mais o silêncio que os frades
medievais, para os quais o céu era mais que o nirvana onde as almas se dissolvem
num incognoscível Absoluto.
Por
tudo isto, o filósofo António Telmo, também ele leitor atento de Bergson, não
poderia deixar de alertar para o movimento da filosofia que preconiza a
exaltação da Palavra indispensável à expressão do pensamento. «A gnose
hebraico-portuguesa distingue-se da gnose oriental valorizando a palavra sobre
o silêncio, procurando no silêncio, não o pensamento que se torna inefável, mas
o pensamento que se transforma em palavras que iluminem as trevas em que
vivemos» (A. Telmo, conferência, 1996).
Na
verdade o Génesis consagra o Verbo como supremo agente do mundo, justificando-o
nesse mistério. Milhares de anos depois, João, o apóstolo amado, abre o seu
imortal evangelho com a chave do Verbo, pormenor que não escapou ao autor dos
chamados Painéis das Janelas Verdes, no que é tido como o painel do Santo, com o
livro aberto no intróito desse evangelho, porventura o ponto focal de toda a
obra, pese embora o panorama holístico que nela colhemos. Ferir ou romper o
silêncio é o acto mais sagrado que só a Palavra pode fazer. No mundo ocidental
(porventura todo ele agora que está sob o olhar atento da Besta) o poder
temporal, no declínio da Palavra, promete a salvação, a curto prazo, para
quatro ou cinco, no contraponto ao poder espiritual que no fim desta vida
promete a salvação, quiçá a vida eterna.
Se o silêncio é prioritariamente condição
de chegada, então a Criação do mundo não tem servido para nada, como se o ser
humano voltasse ao caos, uma espécie de “posição fetal”, porque o sentido da Manifestação
foi acentuado pelo Verbo com os seus múltiplos efeitos. O pensamento abstracto
só faz sentido quando se sabe o que é o pensamento concreto.
Santa
Clara (Coimbra) 27-11-2018
Eduardo
Aroso©
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