sexta-feira, 22 de novembro de 2013


CONFRARIAS E MISERICÓRDIAS

Quem conhece a fecunda e longa tradição destas instituições da História de Portugal, sabe que, hoje, são completamente desajustadas estas palavras pelas quais se denominam. Longe vão os tempos, do século XIV, em que na Confraria do Espírito Santo de Alenquer, na Festa do Bodo, clero, nobreza e povo, sentados à mesa, e perante a família Real, os pobres e estropiados, eram servidos antes de tudo o mais! Acto simbólico antecipando qualquer ideologia. Salvo nas confrarias onde ainda, graças a Deus, os pobres irmãos, por exemplo, vestem a sua opa para acompanhar um corpo até à última morada, o ambiente gastronómico que se vive nas actuais ditas confrarias estão muito abaixo das velhas ceias dos últimos tempos da monarquia, onde à volta do borrego assado e do vinho de Colares, já não havia ideias e muito menos ideal!
Quanto às Misericórdias - e porque um bastão tem sempre dois lados - é certo que cumprem ainda um meritório papel humanitário e de interesse social (muito especialmente quando há eleições!). Mas quando a ideia de lucro começou a ser o oxigénio onde todos respiram, o melhor seria mudar o nome na raiz, o de Santa Casa da Misericórdia. Como disse Eugénio de Andrade «as palavras estão gastas».

Entroncam aqui necessariamente alguns aspectos que há na ideia de Estado-Social. Mas é interessante a constatação, no presente, do declínio deste último e a perversão da nossa tradição histórica nas referidas instituições e noutras que não vêm ao caso. O conceito de Estado-Social, uma invenção nórdica emergente dos dois troncos do protestantismo, protagonizados por Lutero e Calvino, feriram de morte a nossa tradição que chega assim aos nossos dias na mais baixa bastardia. Afastamento do nosso vernáculo que, naturalmente alheio à era industrial, a continuar, ter-se-ia que forçosamente aperfeiçoar ao longo dos tempos. Mas muito provavelmente não teríamos esta dolorosa distância onde os pobres já não têm entrada por não poderem pagar a mensalidade… Assim, poderíamos ter evitado, por exemplo, que essas instituições se transformassem em apenas acolhedoras de degustadores, num caso, e de gente idosa, noutro. ©

22-11-2013

Eduardo Aroso

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