quarta-feira, 11 de janeiro de 2017


PENSAR PORTUGUÊS – TEORIA E PRÁXIS

Não é difícil crer que os homens de Quinhentos tiveram escola quando se lançaram às Descobertas. Porém, havia como que uma disposição genética ou condição de missão, o realismo e o pragmatismo (nunca órfãos do sonho) que já levavam, conforme sublinha e explicita Afonso Botelho num escrito sobre o realismo dos Descobrimentos Portugueses, mas sobretudo a sabedoria de uma práxis posterior que, a dado momento, afrouxa e não se interroga. Porque esse saber de experiência feito requeria um (re)pensar de novo, um ciclo que teria que passar por um ensino académico humanista, científico ou outro, nunca erguido, como foi o padrão, por terras onde passava a aventura portuguesa; uma escola que continuasse Sagres e Lagos, fosse depois em Freixo de Espada-a-Cinta ou numa cidade com palmeiras e beija-flores, iniciando novo ciclo. Entendemos bem esta questão quando, por exemplo, notamos o ano em que o português, num gesto mais ou menos oficial, criou a primeira universidade por onde passou, quando a essa época já outras congéneres de povos ibéricos ganhavam patine nas suas pedras seculares.

Não substimando a teoria como corpo essencial – tão cara a Álvaro Ribeiro e tão admiravelmente explicitada – atrever-me-ia a dizer que um «pensar português» não pode estar todavia desvinculado de um «fazer português», quiçá este último estimule então a necessidade intrínseca de uma nova teoria, pois esta se constrói sobre si mesma, ao jeito de espirais. Se é certo que o ímpeto – o meramente compulsivo que se pode confundir com instinto – deve ser refreado pela intuição-sabedoria de saber «A Hora», não é menos desprezível que quem sente alento numa apaixonada práxis pode depois, ou em simultâneo, respigar teoria na própria práxis. Os antigos gregos quando morria alguém perguntavam se tinha vivido com paixão ou intensidade – tema que Herberto Helder traz a um belo poema seu – pois só isso, essa alma operativa pode levar a novas descobertas, a novas travessias, pois os mornos, como diz o Apocalipse, «são vomitados da boca». É possível «pensar português» sem amar Portugal?  

Hans-Georg Gadamer (1900-2002), o singular filósofo hermeneuta do séc XX, num capítulo intitulado «teoria, técnica, prática», discorrendo sobre os problemas da ciência diz que esta «poderá combater a crença supersticiosa de que ela consegue evitar ao indivíduo a responsabilidade pela sua própria decisão prática». Refere ainda Gadamer que Platão dizia, sem explicitá-lo, que «a liberdade quanto ao próprio saber-fazer outorga liberdade para adoptar outros pontos de vista da verdadeira «práxis», que vão além da competência do saber-fazer e representam aquilo que Platão chama a bondade».

A intensidade ou paixão, a que hoje poderíamos chamar talvez convicção profunda (os políticos de carreira chamam-lhe militância) pela qual os antigos helenos perguntavam, por certo para saber se teria sido uma vida bem aproveitada, não deve ser confundida com emoções mais ou menos efémeras ao sabor das modas e outras conveniências, mas com aquilo a que, num plano do pensamento, se denomina Ideal, sendo que todavia pode existir congelado, ou naquele calor de alma, o que «vale a pena», como disse Pessoa. Amar Portugal pode consubstanciar teoria e práxis, como se mostra nesta secção dos Painés de Nuno Gonçalves.

Eduardo Aroso

10-1-2017

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