45 ANOS A FAVOR E CONTRA A CORRENTE
«Mansa colmeia a que ninguém colhe o mel»
(Miguel Torga)
Quem
quiser apreciar a obra que deveria ser de fundo do pós 25 de Abril, viaje pelo INTERIOR do
país. Digo o pós, porque o 25 foi na verdade a devolução da liberdade e garantia
de uma Constituição democrática. O que se tem feito pelo verdadeiro
desenvolvimento em terras do chamado «Portugal profundo» durante cerca de
quatro décadas, nada deve aos sucessivos governos centrais, mas ao empenho
daqueles que (descontando-se o “caciquismo” que há em todo o lado e as verbas
obrigatórias tipo «migalhas para pobres») ainda sentem o «locus», o sangue dos
antepassados naquelas terras e, claro está, a sensação aguda de que ou se mexem
a sério ou ficam a perder.
Um pouco no cansaço do
tempo do homem de Santa Comba, pese embora a diferença qualitativa
(felizmente), os discursos das cerimónias oficiais soam hoje cheios de cansaço,
numa atmosfera europeia também cansada. Não porque a liberdade, democracia e
pluralismo, não tenham todo o sentido. O problema é dos vícios arreigados – que
o povo sente
inconscientemente – que não deixam acreditar e que
não têm permitido o progresso estruturado e estruturante. Esta, sim, a
verdadeira revolução e não outra com mais ou menos golpes que puxam para trás e,
como a História ensina, fazem depois dos “revolucionários”
caricatos “pseudo-conservadores”.
Na verdade, vivemos na «sociedade do cansaço»
como diz Byung- Chul Han. O idealismo de vultos notáveis que se criou e que
lutou durante a ditadura do Estado Novo, perdeu-se no momento em que a
liberdade cívica e política foram devolvidas aos portugueses e logo começou uma
certa “ditadura” que emanava da EU. Foi uma soberana oportunidade perdida. A quebra desse idealismo português já anteriormente se havia notado na passagem do 31 de Janeiro de 1891 para o 5 de Outubro, e no novo regime logo tristemente reduzido a querer mais Europa e
mais verbas. O trabalho maior estava ainda por fazer, na bela manhã do dia 25 trazendo a
POSSIBILIDADE de tal. O 25 de Abril (devido em boa hora aos militares e a mais
ninguém, pois o resto é do tipo ”cereja no bolo”) foi uma possibilidade que democraticamente se
foi cumprindo no que foi, e não o sonho no postal ilustrado que correu mundo.
Podemos compará-lo a uma boa terra, que foi bem lavrada e prontinha a semear. O
resto era com os sucessivos lavradores… Por isso, vigiar sempre quem vai
amanhar a terra!
Hábitos
e mentalidades persistem por muitos anos e só com ideais fortes e lutadores
preparados se avança. A distorção que Salazar (por falta de inteligência) tinha
de Portugal foi substituída por quem se
desinteressou pelo país, coisa que já no seu tempo F. Pessoa dizia: «São
portugueses porque, por desgraça nossa, nasceram adentro da nossa fronteira».
Quem olha hoje para a Assembleia da República,
para os meios sindicais e partidários e até para os desejados movimentos de
cidadãos (que quando surgem são logo captados) vê que os vícios do antigamente
persistem, desde a burocracia, a compulsão para o imposto e a taxa, o gosto
pela gorjeta, o ganhar “a meias” (ou o dividir por mais alguns), os estranhos
meandros da justiça, o deixa-andar…Hoje estamos melhores (tortuosamente
melhores, mas estamos melhores) que no tempo em que muitos foram
esturricados no Tarrafal pela Pide e uma professora tinha que fazer um
requerimento ao Estado para casar com um professor (!)
No
entanto, as “abelhas” dos pinhais e das serras interiores, vivem hoje cheias de
solidão, com televisões, internet e estradas de alcatrão, e com cada vez mais Lares
de idosos, que são hoje os monumentos nacionais de vilas e aldeias. Cá fora
sopra o vento da solidão nas casas sem ninguém. A «mansa colmeia» já não pode
ser mais do que isso, até porque descende dos brandos costumes. As “abelhas
novas” escasseiam e, pelo jeito, não se indignam mesmo quando a velha capital
do império ainda não perdeu o hábito de carregar com os idos impostos da pimenta
e o marfim…
Eduardo
Aroso
Abril 2019
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