quarta-feira, 15 de maio de 2019


DAS MÁSCARAS, DOS (MAUS) ACTORES E AS PLATEIAS DE PACÓVIOS

Em muitas e duvidosas representações de hoje, a inversão da máscara não significa virá-la do avesso, como se faz a uma peça de roupa mal vestida. Posto que está na moda as máscaras serem escolhidas como sendo de preocupadas e edificantes personagens, os que as movem não são, via de regra, confiáveis no que pretendem representar. Quando a máscara cai percebe-se então que são maus actores, ou seja, o que representaram não estava de acordo com o perfil da máscara, o que não deve confundir-se com os eméritos do nosso teatro português.
Na antiga tragédia helena, onde havia a autenticidade do colectivo (a forma de arte humanamente mais completa e complexa, com um envolvimento muito acima das actuais performances), a diversidade da vida obrigava por vezes à representação de figuras pouco simpáticas, ou mesmo opositoras da sociedade e temperadas do cómico. Existia, como ainda hoje, o bobo, figura de papel singular, paradoxal, criticando e corrigindo desmandos, numa linguagem que só a  ele era permitido. O monarca e bem assim toda corte ouviam  dele o que a outra pessoa não se autorizava, sob pena de severo castigo. A conhecia obra de Shakespeare «Rei Lear» apresenta esse primor de bobo, como também, pese embora um cenário bem diferente, «O Pobre Tolo» de Teixeira de Pascoaes.  
Quanto aos bobos, não são os actores do poder político e  económico, pois, como já referido, representam mal. Ainda que de um modo tímido, podemos ser nós os bobos, mas falta-nos a ousadia de ir à corte e fazer de bobos sérios, isto é, cumprindo bem o papel, e depois de tirarmos a máscara, todos ficariam a saber quem são os (verdadeiros) actores, cujos rostos são ainda dos velhos lusitanos, defendo-se dos impostos disfarces do restos do império romano, guerreiros cujas faces podem servir bem a máscara sem truques, actores para o que der e vier…

Eduardo Aroso
Maio 2019         

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