DAS
MÁSCARAS, DOS (MAUS) ACTORES E AS PLATEIAS DE PACÓVIOS
Em
muitas e duvidosas representações de hoje, a inversão da máscara não significa
virá-la do avesso, como se faz a uma peça de roupa mal vestida. Posto que está
na moda as máscaras serem escolhidas como sendo de preocupadas e edificantes
personagens, os que as movem não são, via de regra, confiáveis no que pretendem
representar. Quando a máscara cai percebe-se então que são maus actores, ou
seja, o que representaram não estava de acordo com o perfil da máscara, o que
não deve confundir-se com os eméritos do nosso teatro português.
Na
antiga tragédia helena, onde havia a autenticidade do colectivo (a forma de
arte humanamente mais completa e complexa, com um envolvimento muito acima das
actuais performances), a diversidade da vida obrigava por vezes à representação
de figuras pouco simpáticas, ou mesmo opositoras da sociedade e temperadas do
cómico. Existia, como ainda hoje, o bobo, figura de papel singular, paradoxal,
criticando e corrigindo desmandos, numa linguagem que só a ele era permitido. O monarca e bem assim toda
corte ouviam dele o que a outra pessoa
não se autorizava, sob pena de severo castigo. A conhecia obra de Shakespeare
«Rei Lear» apresenta esse primor de bobo, como também, pese embora um cenário
bem diferente, «O Pobre Tolo» de Teixeira de Pascoaes.
Quanto
aos bobos, não são os actores do poder político e económico, pois, como já referido,
representam mal. Ainda que de um modo tímido, podemos ser nós os bobos, mas
falta-nos a ousadia de ir à corte e fazer de bobos sérios, isto é, cumprindo
bem o papel, e depois de tirarmos a máscara, todos ficariam a saber quem são os
(verdadeiros) actores, cujos rostos são ainda dos velhos lusitanos, defendo-se
dos impostos disfarces do restos do império romano, guerreiros cujas faces podem
servir bem a máscara sem truques, actores para o que der e vier…
Eduardo
Aroso
Maio
2019
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