CENAS
E PERSPECTIVAS (DO LADO DE CÁ, OU NÃO, DO TELEVISOR)
Quando
olhamos a televisão, dá-se um fenómeno ao qual não tomamos bem o pulso, porque
nos habituámos ao «pensamento que não pensa» como disse Heidegger. Seja uma
transmissão em directo, seja o que for de ficção: telenovela, filme, ou outro. É
quase compulsiva a tendência para tal se encarar numa perspectiva diferente da que
seria a de estarmos lá, ou se esses acontecimentos se dessem aqui ao lado, ou mesmo
vistos em épocas diferentes. O filósofo português António Telmo (1927-2010)
disse algo como isto: se vemos imagens de alguém que já morreu, há mais ou
menos tempo, se porventura víssemos essas pessoas de repente no nosso quarto,
ou ao dobrar de uma esquina, ficaríamos gelados de medo e acharíamos algo
estranho. Todavia, vê-las no ecrã não só não nos assusta, como muitas vezes até
gostamos e deliramos!
Assim, temos o ecrã como intermediário entre
duas perspectivas, o que tanto pode amortecer como exaltar. O interesse, prazer,
ansiedade, numa cena de telenovela ou de um filme, de uma querela familiar, maquinação
de negócios, ou cena amorosa – quantas vezes conferindo estatuto de ídolos às
personagens – tudo isso reprovaríamos com desdém entre os nossos amigos e
vizinhos.
Mas
então aquilo não é ficção?! Aqui o virtual e o real. O primeiro deixou de ser
IDEAL (no sentido filosófico helénico e até hegeliano) e assim passou-se a uma
mera reprodução do quotidiano nos seus aspectos mais caricatos, quantas vezes manifestamente
inferiores. O paradigma da não-proximidade lança desafios outros que a
imaginação solta e certas convenções não aceitam do lado de cá do televisor ou
do monitor perante a internet e agora o facebook com o novíssimo chat.
A
nossa mente, que (ainda) mente, como diz o pensador Paulo Borges (1959), é assim
simplesmente porque ainda não pensamos bem, não imaginamos as coisas livres do
erro, atitude essa que nos está reservada num futuro ainda distante, tal
escreveu Max Heindel em «Conceito Rosacruz do Cosmos». Libertar-se do (muito)
desnecessário onde nos atolamos diariamente e concentrarmo-nos no essencial, ou
como disse um outro filósofo português José Marinho (1904-1975), «no que mais
importa», parece ser um caminho seguro. A tragédia do virtual contemporâneo,
ainda que nele voem laivos de futurismos, deixou de expressar o IDEAL para ser
o “barroquismo” mais rasteiro, onde a ausência de estética e ética, nos deixam
cada vez mais atolados. Há, contudo, e sempre, a ave que se ergue das suas próprias
cinzas.
Eduardo
Aroso ©
Equinócio
de Outono, 2015
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