CANTAROLARES COM SABOR AZUL de Risoleta C.
Pinto Pedro
Quem começa a ler este livro, não pode deixar de ser levado pela memória até ao clássico «Nursery
Rhyme». Porque é de memória que se trata quando um adulto aborda a literatura
infantil, ou seja, é por esse fio que a pura poesia se encontra, já que a
vivência da infância, mesmo em casos de destinos difíceis, se há uma raiz
límpida, é aí que ela se encontra.
Mundo esse onde é sempre autêntico o tom das próprias palavras,
que só podem surgir por um dom, que é o de saber escrever para crianças.
Escrever para a idade da infância não é escrever versos e histórias em prosa
utilizando a criança como «tema» - os hipermercados estão cheios disso – mas
escrever PARA ELAS. Isso acontece quando ao primeiro verso ou ao primeiro
parágrafo de uma história, ouvida ou lida, elas ficam num estado de
encantamento que, parecendo às vezes não ouvir, gravam profundamente na memória
a voz de quem conta a história ou lê o poema e se mistura com a voz dos anjos e
das fadas que também podem estar por ali… A criança não é mera ouvinte; é a
própria história!
A experiência tem mostrado que a genuína literatura para
crianças, de um mesmo modo gracioso
também assim é recebida pelos adultos. E compreende-se bem, pois temos aí um
raro momento de descondicionamento de conceitos e preconceitos e de outras
pressões culturais. O adulto acorda então a criança adormecida que há em si, um
eterno menino coroado para a era do Espírito Santo, tempo da abundância do
espírito agora sufocado pela hedionda senha do «time is money» que em adulto
terá que percorrer.
A sonoridade da rima da poesia para a criança é tanto o que
sempre foi e será de encanto para ela
mesma quanto é o veio que atravessa a tradição popular, apetecível de escutar,
seja num aforismo ou rifão, seja numa quadra ou versos em jeito de narração,
como é, por exemplo, a Nau Catrineta. Assim, a rima é tão natural como o
respirar ou o andar a pé em cadência binária. Sabemos que caminhar, escutando o
som dos passos, é outra coisa.
Este livrinho (o diminutivo não o reduz, mas, pelo contrário,
torna-o uma pérola) agrada tanto a crianças como aos seus pais e avós. Bastaria
lermos o primeiro poema do livro de Risoleta C. Pinto Pedro para nos deixarmos
de imediato atravessar por uma saborosa sensação. Saborosa, porque, neste como
em outros poemas do livro, a poesia, para além da cadência, é táctil, tem
aroma. É um fruto e um rio. O leitor verá que todos os poemas, falando também
de animais e flores, são frutos suculentos, quero dizer que, sem ser necessário
levar muito longe a metáfora, as palavras têm suco; e levam-nos ao suco do
mistério da infância que teima em permanecer em nós, mesmo quando o fio da
memória interrompido nos anos, por certo esboça um último sorriso de alma, quer
o vejamos ou não.
«Vou ao pomar
apanhar
um poema
que não trema
como gelatina;
um poema rima
nascido de semente
e regado
de fio
a pavio
por um
amado
encharcado
líquido
rio. »
(Risoleta C. Pinto
Pedro)
Eduardo Aroso, Agosto de 2017
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