O RISO DE CRONOS
À primeira vista poderíamos pensar que «o deus do tempo»
estaria satisfeito com a oitava praga do Egipto que se cumpriu agora numa coisa
pior do que um gafanhoto: um vírus vindo da China. Nem certamente lhe dá prazer
a presente epidemia. O riso de Cronos (ou Saturno, protector dos filósofos e
outros pensadores) é dirigido para várias gerações que, depois da Revolução Industrial, foram criando o absurdo «time is money». Começaram então a comprar e a vender o
tempo como se fosse uma coisa natural da vida. Ora, «o tempo dá-o Deus de
graça», como tantas vezes acentuava Agostinho da Silva. O que é natural no ser
humano é TER ou SER tempo enquanto vivente neste mundo também sujeito ao espaço.
Estar sujeito ao tempo, mas também dispor dele.
Os efeitos colaterais (ou não, porque como diz o povo «Deus
escreve direito por linhas tortas), dada a situação de quarentena consequência do
coronavírus, estão de um modo dir-se-ia paradoxal a levar-nos a meditar sobre a
raiz do que é o tempo, assunto medular que há já milénios ocupou o pensamento
helénico. «Ócio» significava, não a futilidade e a preguiça, mas onde havia intensa
criação pessoal e reflexão sobre o ser único que é cada ser humano, alguns
diriam “tempo íntimo”, hoje completamente banido na sociedade do “burnout”, a do tempo
revoltado contra o próprio trabalhador que já não comanda nada.
Na oportunidade presente de rectificar esse conceito, ainda
que numa situação de confinamento, milhares de pessoas trabalham em casa,
através do computador ou no quintal (ainda há quintais e quintinhas), muitos
outros talvez em tarefas atractivas que há muito esperam por realização.
Enquanto isso, a estearina das duas velas acesas, economia e finanças, estão a
chegar ao fim, as velas do tempo comprado e vendido, cujo preço terá que ser
rectificado, sendo que perdas e ganhos haverá sempre.
Eduardo Aroso
12-3-2020
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