O CORONAVÍRUS – UM GRÃO DE AREIA
NO DESERTO DO AFASTAMENTO E CONTROLO DO SER HUMANO
«No futuro haverá,
possivelmente, uma profissão a que se chamará “ouvinte”. Mediante pagamento, o
ouvinte escutará um outro, atendendo ao que este diga. Recorreremos ao ouvinte
porque, excepto ele, quase mais ninguém haverá que nos escute» (Byung-Chul Han)
À parte o (doloroso) abalo
directo no corpo, o vírus constitui um dos meios do crescente afastamento entre
pessoas, aliado a uma tecnologia susceptível de controlar o cidadão. A
globalização dos muito ricos, sem rosto, cria governos que ficam reféns da
venda de riqueza nacional ou acções contratuais que logo pressionam a criação
de legislação a favor desses países. O telemóvel, verdadeira torre de Babel
onde o controlador da torre não é o dono do telemóvel, apresenta-se o objecto
privilegiado para esse rastreio minuto a minuto. Brevemente, a quem não possuir
o aparelho, será dado um, como se fez com um número que já nos foi atribuído. O
telemóvel pode ser a doce antecâmara do chip futuro sem o qual talvez o cidadão
não tenha acesso a um sem número de serviços. O eminente pensador da
actualidade Byung-Chul Han escreveu recentemente: «Na China existem 200 milhões de câmaras de vigilância,
muitas delas com uma técnica muito eficiente de reconhecimento facial. Captam
até mesmo as pintas no rosto. Não é possível escapar da câmara de vigilância (…)». Sobre o afastamento social diz o filósofo
germano-coreano «A estratégia da dominação consiste hoje em privatizar o
sofrimento e o medo, ocultando desse modo a sua sociabilidade. (…) A Internet,
hoje, não é mais do que uma caixa de ressonância do eu isolado. (…) Sem a presença
do “outro”, a comunicação degenera num intercâmbio acelerado de informação. Não
estabelece qualquer “relação”, mas antes a”conexão” somente».
Evitar ajuntamentos - o único
modo de dar alguma coragem ainda que momentânea, mobilizando pessoas para o que
der e vier – parece ser o objectivo a atingir. A Europa ( e aqui não estamos a
falar dos infelizes migrantes que arribam ao mediterrâneo para entrar no velho
continente), apesar de tudo ainda faz finca-pé nos valores da Revolução Francesa
perante o problema que lhe é colocado. E o problema ultrapassa o que existiu
durante séculos: apenas a tão desejada margem de lucro. O que parece acontecer
agora, para manter esses privilégios, é garantir algum domínio legislativo e de
cláusulas contratuais (algo que passa de governo em governo), tendo na
retaguarda a ameaça militar. A globalização é o último andar da torre de Babel,
de onde se sacodem os tapetes e se cospe para os vizinhos de baixo.
Entretanto, ao jeito de um
trabalho na arena, cansa-se o cidadão de mil maneiras, porque o “burnout” não
existe apenas no trabalho, mas na própria sociedade. E assim continuamos a
bater palmas à cena feita pela direita e pela esquerda no tabuleiro que apenas
se roda para outro jogo. Actores que confundem o seu amor-próprio com um
moribundo paradigma, naufrágio no qual alguns têm bóias e outros não.
Eduardo Aroso
Maio de 2020