A FALTA DE SENTIDO DO DEVIR
HISTÓRICO
OU A PANDEMIA DO EFÉMERO
Se há algo que caracteriza as
gerações novas, ou talvez as da meia-idade, é o rápido esquecimento do mundo de
há 30 ou 40 anos, trocado por aquilo que é o fascínio do novo ou da novidade. Isso
aplica-se à vida de um modo geral. Deve-se, por um lado, à facilidade da busca
veloz de crescente informação por um processo que lhe está obviamente associado:
a tecnologia digital. O problema principal é quando se acumulam conhecimentos não
estruturados ou não digeridos fora de toda a ausência do sentido ou devir
histórico. “Parece que o mundo começou há meia dúzia de anos!” é a exclamação já
frequente de muito boa gente que começa a perceber que, no teatro do mundo, não
de deve confundir a forma e a essência, ou os cenários que vão mudando para
representar o mesmo drama da humanidade.
Tudo isto é ajudado pelo chamado
«ensino obrigatório» e mais do que isso de uma espécie de “moral obrigatória”
que o sistema impõe, quer pela pressão e o controle dos média, reflectidos na
oscilante mudança dos currículos escolares que pretendem uma formação integral
com “a fruta da época”, sendo que há necessárias excepções como é obviamente a
da ênfase na actualização científica. No campo da artes se perguntarmos a vinte
alunos do curso de História de Arte quem foi René Huyghe talvez um responda. Os
compêndios, que sempre elegiam Thomas Edison, ainda hesitam em falar de Tesla,
não fosse o seu nome estampado no mais sofisticado automóvel. Dos «The Beatles»
ainda se sabe, mas já ninguém escuta «The Animals» ou «The Mamas and Papas». E
quem aprecia Moustaky ou Piaf ou (excepto para fins académicos) quem lê
Aquilino, Torga ou Agustina?
Ainda que já houvesse escrita, os
filósofos mais antigos e outros da mesma estirpe não estavam interessados em
escrever como qualquer intelectual hoje tem necessidade de o fazer, ou o
simples cidadão que se sente realizado se publicar um livro. O grande objectivo
desses mestres, pela sua presença ante os discípulos, era o da sua
transformação interior, a verdadeira alquimia que não olhava para o «vil metal»
com lhe chamaria Camões, nem para o armazenamento de páginas e páginas no
cérebro. Há mais de dois milénios, um mestre gravou sobre a entrada do Templo
de Delfos a celebérrima frase: «Homem, conhece-te a ti próprio». Não tinha essa
época, de modo nenhum, o avanço no conhecimento médico que hoje existe, mas tinha
estas “vacinas” contra a já muito longa pandemia do efémero.
Eduardo Aroso
27-5-2020
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