quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013


AMAR PORTUGAL (4) Da Compulsão Religiosa do Português   ©
Nietzsche disse lapidarmente que o jornal diário veio substituir a missa da manhã. Esvaziada hoje por obscuros e labirínticos corredores, quando não por nítida perversão do sentido informativo, esta espécie de “missa laica” desfolhada em páginas da imprensa em papel, parecer ter passado para o facebook e para o telemóvel, sem que esteja a salvo a sua permanência desta maneira.
Há assim uma deslocação para a busca diária de algo onde também somos convidados pelo constante e pendular movimento de rotação da Terra. Querer saber notícias (estabelecer pontes entre o mundo do outro e nós próprios), é também outra inquietação de religiosidade, seja religare a terra com o céu, ou o homem de fora com o seu céu interior, a que alguns chamam alma. Tudo isto independentemente da igreja a que pertença ou não pertença. Esta compulsão interior, amortecida de várias maneiras, instintivamente quer acompanhar um outro ritual que é o do alvorecer, da saudação ao sol como palavra (sinal) de esperança e de conforto, dados pelo mais visível rosto da Vida.
No caso português junta-se uma outra possibilidade da continuidade do ritual, seja no quintal, seja na praia, não apagando assim de todo peculiares e ancestrais vivências pagãs. Sempre que tem folga, o português elege a natureza como intermediária entre o fastidioso e cada vez mais complexo mundo do trabalho e a sua compulsiva divindade, que vê e sente nas ondas, nos ventos e até na indecisão das dunas onde inconscientemente pode confundir um D. Sebastião com um pescador ou uma sereia! Hoje, o português toma a natureza não como altar voluntariamente preparado, não por dentro ao modo de Frei Agostinho da Cruz ou de Pascoaes, mas pela dádiva da ondulação à vista, a conversa ao lado do farnel e as gaivotas sobre a areia e alguns biquínis. É assim neste templo natural e instintivo, que fica a meia distância de outros de arquitectura antiga ou contemporânea. E, se não quer estar parado, prefere ser caminheiro a uma romaria ou a um santuário, tendo o melhor exemplo o de Fátima. No português habita a sensação – preguiçosa e espreguiçada ao sol – de ser filho do céu, o que amolece e lhe completa mais o perfil dos «brandos costumes». Religiosidade, ora grácil ora amortecida, que tende a diluir-se na vibração. Colectivamente, o seu sentimento religioso nunca foi confrontado com a tese da mística castelhana de um Juan de la Cruz, a da noite escura da alma, quando Deus «oculta a Sua face». Nem nos sessenta anos de domínio filipino, nem paradoxalmente em face dos horrores elementais do Adamastor. Dir-se-ia que, para o português, a natureza o consola, ao mesmo tempo que lhe amortece a sua inquietude religiosa própria, forjando assim a sua brandura de costumes, ao invés de interpelar Deus com algum furor como o faz, por exemplo, o germânico, cujos resultados da indagação chegam por canais de outra ordem nem sempre benignos.
Amar Portugal é criar espaços portugueses dentro dos espaços indiferenciados.
Amar Portugal é não lhe desfigurar mais o rosto, denunciando a vil inestética que grassa tocada pelo vil metal.
Amar Portugal é tornar português tudo o que nasce aqui filho dos sem-pátria e sem sentimentos que não sejam os de rapina, isto é, do que se manda vir de fora para a nossa escravização, em vez da realização plena como foi prometida, há séculos, em Ourique.
Eduardo Aroso
13- 02-2013 (efeméride de nascimento de Agostinho da Silva)

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