O
SER E O PODER - RESCALDO DE UMAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
(OU
A ENTREGA DE TESTEMUNHO PERANTE AS CAMADAS DO TEMPO) ©
Assim,
de que modo este «nada que é tudo», como acentuou Pessoa, se poderá fazer um
Portugal mais presente numa Europa tão ausente? Muito a propósito destas
eleições, é acutilante o que escreveu Adriano Moreira no DN já em 17 de
Setembro: «Grande parte das alienações que
se vulgarizam tocam nas raízes das comunidades e, portanto, na sua identidade.
Nas crises brutais por que Portugal passou nestes já longos séculos, foi a segurança
da identidade da sociedade civil que permitiu reconstruir um novo futuro».
O sonho nunca foi inatingível, mas é certo que tem
sido método seguro construir do perto para o longe, caminhar do conhecido para
o desconhecido, e, por isso mesmo, a vera cultura política em Portugal deve
começar por estudar a nossa longa e rica tradição municipalista (termo que se
deve sobrepor a autarquia). E é da responsabilidade dos municípios, juntas de
freguesia, escolas e outras instituições, essa tarefa tão bem colocada há já
algumas décadas pelo filósofo Afonso Botelho na sua obra ímpar «Origem e
Actualidade do Civismo».
O que temos vindo a assistir nas últimas décadas,
nas relações dos governantes com o povo, são posturas visceralmente
antiportuguesas e contra a natureza (o mesmo é dizer contra todos os seres) de
indivíduos de uma cultura híbrida mal enxertada (quando mesmo sem enxerto
nenhum), de projectos que trazem carimbos de Bruxelas; de gente que gosta de
tapar relva com alcatrão; posturas e modos de agir (salvo as excepções que
felizmente não são tão poucas!) que têm laivos faraónicos, quando, a todo o
custo, se quer deixar o nome, a data e mais não sei o quê, nas pirâmides de
cimento de cada localidade (só ali não fica mausoléu por impossiblidade). Ou
quando o espírito iletrado, degeneradamente burguês, confunde um vitral com os
azulejos de uma casa de banho.
Seja qual for o poder, de uma pequena comunidade ou
mais centralizado, seja o de um mandato local de uns poucos anos, ou o de
períodos históricos dilatados, ou corrigimos os vícios (de casa pequena de quando
o império era grande) e agimos em consonância entre a epiderme de fazer
transpirar e o anímico do «tudo vale a pena», ou a alternância de poder é
sempre a mesma fotocópia mais ou menos desbotada.
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