segunda-feira, 3 de julho de 2017


O FACEBOOK COMO CONFESSIONÁRIO

Nietzsche observou, no seu tempo, que o jornal diário tinha vindo substituir o hábito para muitos da missa matinal. Ainda que o papel impresso para notícias do quotidiano continue a existir, mais de um século depois, as gerações novas rapidamente o têm substituído pelo tablet ou pelo telemóvel numa mão enquanto a outra se ocupa de uma bica e de uma nata. Num lapso de tempo, o mural de muitos utilizadores tornou-se numa espécie de confessionário. Um estranho lugar onde, entre outras coisas do expediente, se lançam mágoas mais ou menos dissimuladas. Mas também atitudes tipicamente neomedievais de trazer pessoas ao pelourinho para lhes aplicar a malhação, como aliás acontece por outras vias. Falamos de um espaço livre, onde cada um coloca (à excepção de alguns interesses de publicidade comercial) assuntos do seu gosto, e que por isso revela a natureza do seu utilizador. Como disse um sábio «se queres conhecer uma pessoa, observa o que ela faz depois de cumpridas as suas obrigações a que não pode fugir». 
Descontada a alínea barata da fofoquice, é no espaço de hodierno confessionário que o fb apresenta uma das suas características mais interessantes, digna da atenção da psicanálise ou outra área de estudo de observação. No confessionário digital, é certo que o assunto passa a ser público, mais ou menos dissimulado, mas onde se descortina a necessidade de confessar as tensões e problemas pessoais, quantas vezes por causa de cicrano ou beltrano. Nesse novo espaço onde se julga aliviar a alma (podendo mesmo aliviar), a moral é simples: todos os pecados são perdoados desde que se fale verdade, ou pelo menos se faça por isso. Não propagar a mentira já é muito bom. Viva o facebook!


Eduardo Aroso

Sem comentários:

Enviar um comentário