DA CISÃO E DO ESFORÇO NOS LIMITES
«Analisar intelectualmente um símbolo, é descascar uma cebola
para encontrar a cebola». Pierre Emmanuel, «Considêration de l´extase».
É iminente o acto de chamar à poesia o que ela não é,
quando deixa de ser o helénico espanto e arrebatamento, o sublime como queria
Schiller, ou se perde o poder de invocar e fica apenas na evocação. Abraçada a
tendência para o poema curto – o que, diga-se, numa época em que o tempo se
compra e vende, aproxima o leitor da poesia – parece perder-se o fôlego do autêntico
poema longo que, deixando de manter a tensão do início ao fim, fica uma quase
insuportável adição de versos descritivos.
Se é certo que a contemporaneidade avançou prodigiosa nas
metáforas sem receios e as multiplicou agradavelmente, não deixa de ser risco
que essas asas possam ser as de Ícaro. Representar a angústia existencial (filha
da cisão pensamento/representação) com outra angústia, a de uma poesia que
perdeu todo o símbolo e se abalança na ironia sem medida, que descasca
incessantemente a cebola para encontrar a cebola, parece ser, no caso, uma
“homeopatia” que deixa tudo na mesma. Para isso também concorre o leitor que,
tantas vezes, entende mais verdadeira a sua leitura do que a mensagem do
próprio poeta, evitando entrar na aura da sua palavra. No tiro ao alvo da
facilidade é sempre muito mais fácil acertar…
Não tanto a de um paraíso perdido, ou de Deus que, como
disse Nietzsche «morreu dentro do Homem» - essa angústia é mais próxima, e
talvez por isso doa mais; semelhante à de quem perde a mãe, esse ser tão
próximo de nós em tudo: a Natureza esquecida que, aos fins-de-semana se procura
na praia e nos espaços onde, em todo o caso, se troca olhar o azul para além do azul ou escutar
o ritmo das ondas por um telemóvel. Se a metáfora é um prodígio do nosso tempo,
ela serve sempre ao seu criador, sendo propulsão da sua poesia. A diferença é
sempre a de ser cosmos ou caos, a de lamber o húmus das primeiras rebentações
da terra e, de cima, olhar o labirinto. A beleza e angústia do nosso tempo anda
no fio da navalha, mas nada receia se o prodigioso voo da metáfora tem
pára-quedas. E se não for para voltar, que ao menos, embora flutuando no
longínquo espaço, possa ser encontrada nos liames do sentido.
Eduardo Aroso©
7-7-2021
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