25 DE ABRIL – NOS MEANDROS DO SÍMBOLO
E DA ACÇÃO
«O esforço é grande e o homem é
pequeno» (Fernando Pessoa)
«O 25 de Abril é uma
abstracção» (Maria José Morgado)
Quando falamos em abstracção,
sobretudo no assunto em epígrafe, pisamos sempre um chão escorregadio, mas por
vezes inevitável. O 5 de Outubro, embora de maior cisão, não deixa de ser também
uma abstracção, se olharmos o que têm sido as repúblicas, ou o 1º de Dezembro,
mais distante no tempo e por isso mais diluído. Juntas estas 3 datas vemos que
a abstracção ainda se mantém com alguma pertinência, e que elas constituem o
que se poderia chamar essencialmente o paradigma não realizado de governação e
soberania nacionais. Ou seja, estamos sempre a ser governados de fora, o que,
lapidarmente é ser governados por estrangeiros e pelos seus acólitos, os
“estrangeirados” que nascem cá e têm bilhete de identidade português.
O cravo vermelho, sem dúvida o
belo vegetal para anular a violência e o derramamento de sangue, colocado na
ponta da espingarda de um militar de Abril, é um intra-símbolo da nuclear
diferença do cravo que deve ser cultivado para um propósito e o cravo
emprestado na circunstância. É certo que a História também é feita de
imprevisto e o próprio cravo tomou o lugar do português na frase de Ortega y
Gasset «eu sou eu e a minha circunstância».
O cravo seria para venda (quem lançou
depois a profecia negra para que Portugal fosse sendo vendido aos poucos?!), mas
as voltas da História permitiram a oferta. Isto mostra bem como apenas a beleza e a generosidade na política, e nas
mudanças sociais, não ditam a voz de comando e podem até trazer equívocos de
tradução do símbolo para o sensível. O cravo na lapela tem sentido se o
conquistarmos, e nisto falamos já de liberdade. Vigiá-la como a um ladrão?!
Pois claro. No sentido de quem deve estar desperto e vigilante, porque na calada
da noite o ladrão pode surgir, uma ameaça de morte. Há cerca de 10, 20 anos
ainda se falava no binómio liberdade/responsabilidade. Este é o lugar certo da
própria liberdade que não foi alimentada de uma pedagogia da responsabilidade.
Não basta levantar a viçosa bandeira da santa liberdade no telhado da casa,
quando no quintal já se cultivam ervas daninhas…
E quando falamos de
responsabilidade, a frase de Maria José Morgado ganha sentido, ainda que a
eminente magistrada talvez não tenha esclarecido que há duas espécies: a
abstracção como simples tese (sem antíteses e sínteses) e a abstracção que
resulta em conceito, resultado de um percurso. Ou seja, a afirmação de M. J. M.
está no reino da utopia, o que não lhe retira importância. Se o «homem é
pequeno» e só «o esforço é grande», vale sempre a pena comemorar a utopia (pois
também «a alma não é pequena»), mas começando pelo esforço de compreensão dos
valores inerentes da própria utopia.
Já Thomas More, em «Utopia» (1516), havia
colocado o português Rafael Hitlodeu na proa dessa viagem, sem a qual não há
movimento do mundo. O mesmo escritor renascentista (esta semana também lembrado
por Santana-Maia Leonardo) que escreveu «Se Deus não nos reservar
mais do que Justiça, ninguém se salva».
Eduardo Aroso, 22-4-2015 ©