sábado, 25 de abril de 2015

25 DE ABRIL – NOS MEANDROS DO SÍMBOLO E DA ACÇÃO

«O esforço é grande e o homem é pequeno» (Fernando Pessoa)
«O 25 de Abril é uma abstracção» (Maria José Morgado)

Quando falamos em abstracção, sobretudo no assunto em epígrafe, pisamos sempre um chão escorregadio, mas por vezes inevitável. O 5 de Outubro, embora de maior cisão, não deixa de ser também uma abstracção, se olharmos o que têm sido as repúblicas, ou o 1º de Dezembro, mais distante no tempo e por isso mais diluído. Juntas estas 3 datas vemos que a abstracção ainda se mantém com alguma pertinência, e que elas constituem o que se poderia chamar essencialmente o paradigma não realizado de governação e soberania nacionais. Ou seja, estamos sempre a ser governados de fora, o que, lapidarmente é ser governados por estrangeiros e pelos seus acólitos, os “estrangeirados” que nascem cá e têm bilhete de identidade português.

O cravo vermelho, sem dúvida o belo vegetal para anular a violência e o derramamento de sangue, colocado na ponta da espingarda de um militar de Abril, é um intra-símbolo da nuclear diferença do cravo que deve ser cultivado para um propósito e o cravo emprestado na circunstância. É certo que a História também é feita de imprevisto e o próprio cravo tomou o lugar do português na frase de Ortega y Gasset «eu sou eu e a minha circunstância».

O cravo seria para venda (quem lançou depois a profecia negra para que Portugal fosse sendo vendido aos poucos?!), mas as voltas da História permitiram a oferta. Isto mostra bem como apenas  a beleza e a generosidade na política, e nas mudanças sociais, não ditam a voz de comando e podem até trazer equívocos de tradução do símbolo para o sensível. O cravo na lapela tem sentido se o conquistarmos, e nisto falamos já de liberdade. Vigiá-la como a um ladrão?! Pois claro. No sentido de quem deve estar desperto e vigilante, porque na calada da noite o ladrão pode surgir, uma ameaça de morte. Há cerca de 10, 20 anos ainda se falava no binómio liberdade/responsabilidade. Este é o lugar certo da própria liberdade que não foi alimentada de uma pedagogia da responsabilidade. Não basta levantar a viçosa bandeira da santa liberdade no telhado da casa, quando no quintal já se cultivam ervas daninhas…
 E quando falamos de responsabilidade, a frase de Maria José Morgado ganha sentido, ainda que a eminente magistrada talvez não tenha esclarecido que há duas espécies: a abstracção como simples tese (sem antíteses e sínteses) e a abstracção que resulta em conceito, resultado de um percurso. Ou seja, a afirmação de M. J. M. está no reino da utopia, o que não lhe retira importância. Se o «homem é pequeno» e só «o esforço é grande», vale sempre a pena comemorar a utopia (pois também «a alma não é pequena»), mas começando pelo esforço de compreensão dos valores inerentes da própria utopia.
 Já Thomas More, em «Utopia» (1516), havia colocado o português Rafael Hitlodeu na proa dessa viagem, sem a qual não há movimento do mundo. O mesmo escritor renascentista (esta semana também lembrado por Santana-Maia Leonardo) que escreveu «Se Deus não nos reservar mais do que Justiça, ninguém se salva».


Eduardo Aroso, 22-4-2015  ©

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