terça-feira, 7 de abril de 2015

UM FIO DE ALEGRIA …

Sem ter em conta o terramoto de 1755, por certo de lágrimas tumultuosas e gritos dilacerantes, ou a afronta das invasões francesas saqueando tudo e todos, ou ainda a dolorosa espera nas filas do pão, de tempos menos distantes, nunca se viu tamanho acabrunhamento ambulante pelas nossas cidades, vilas e aldeias.
Nem a primavera afasta os olhares hirtos, as expressões cinzentas, a fome de alma, que passa diariamente por nós, sendo o mais subtil a desconfiança escondida como uma trave que vive dentro da carne e passa, onde, quantas vezes, o natural seria deter-se e dizer umas palavras, nem que fosse a saudação de bom-dia ou boa-tarde! E, paradoxalmente, quando há risos - porque os sorrisos são quase escassos – eis o riso provocado, às vezes apatetado (quando não grosseiro), e hoje com muitas receitas por todo o lado. 

Tudo isto não passa de um cortejo de actos e gestos desesperados para alcançar a alegria que não temos. Aqui poderíamos colocar a questão: é possível (já) não possuirmos algo e disso não ter consciência? No movimento lento das sociedades, talvez isso passe despercebido a muitos, pois que também o mundo é feito de mudanças. Fernando Pessoa, nas poucas entrevistas de imprensa que deu, tocou de algum modo no cerne da questão, ao responder sinteticamente que «a civilização é trocar uma coisa por outra».
Nesta objectiva e tão pragmática resposta esconde-se, todavia, o que tem atormentado muitos estudiosos: se a evolução se processa em espiral, como incorporar a quintessência da ganga que se deve atirar fora? Como encarar esse fio da alegria virginal, intocável que também Eugénio de Andrade exalta na sua poesia, alegria por dentro do robotizado mundo da tecnologia que, lenta mas seguramente, vai transferindo valores?
Substituir uma coisa por outra? Ou, neste caso, juntá-las?

Eduardo Aroso
7-4-2015


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