GOSTO DOS POETAS
Agosto 2022
Portugal universal; não o efémero que nos amarra como única realidade nos cárceres escuros onde mataram o Sonho. Poemas e textos, alguns publicados em livros e revistas impressos, outros em blogues e os dados a conhecer aqui, para o domínio público, seguindo o rumo da Criação: a obra nunca está definitivamente acabada.
GOSTO DOS POETAS
Agosto 2022
A RAINHA SANTA ISABEL E A MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA
A Rainha Santa Isabel e Inês de Castro, duas
figuras femininas que, apesar de tão marcantes e representarem arquétipos
diferentes se tornaram míticas no verdadeiro sentido da palavra (pelas razões
que conhecemos) não constam na Mensagem pessoana. As razões cabem apenas ao
poeta, que não as explicitou (não tendo que o fazer), pelo que somente as podemos
conjecturar. Todavia, o poeta glosa D. Tareja (Teresa) mãe de D. Afonso
Henriques e D. Filipa de Lencastre mãe da Ínclita Geração. Ambas estão
respectivamente na raiz da 1ª e da 2ª dinastias, do Portugal-matriz,
interrompido em Alcácer-Quibir, logo dominado por Espanha e depois entrando numa
espécie de “clandestinidade” sobretudo na segunda metade da 4ª dinastia e na
subsequente república.
Seja como for tudo isto, as devidas honras (e devoção) que prestamos à Rainha Santa que instituiu oficialmente o Culto do Espírito Santo em Portugal, que transformou rosas em moedas de oiro para pagar aos operários da Igreja de Alenquer, não deixa de estar num admirável contraponto com a (feliz) iniciativa de, neste dias, haver uma Guarda de Honra no Panteão Nacional, Igreja Santa Cruz de Coimbra. Quanto à Guarda de Honra, que existe todo o ano na Igreja de Santa Clara, é feita por Anjos.
4-7-2022
Festas da Padroeira da Cidade de Coimbra
A Isaura F. E.
(na memória atravessando
a matéria e o tempo)
Até quando na ocidental praia
respiramos ainda o sonho rarefeito
pelo zimbório aberto da aventura?
Oh, triste contentamento descansar
tão-só na tatuagem das algas,
pois nada pode ser demanda
pela descarbonização das areias.
Eduardo Aroso ©
Solstício de Verão
Junho 2022
A FAKE-NEW DA MORTE DE FERNANDO PESSOA
Dizem que foi em Novembro no ano 35.
Sem televisão, anunciaram-na nos jornais.
Mais tarde levaram os ossos para os Jerónimos
Ou… talvez de um anónimo entre os mortais.
Anos depois vieram as cátedras pomposas
Como se fossem metódicos anatomistas
Dissecando do poeta as múltiplas personalidades
Quando era apenas uma grande alma de largas vistas.
O Fernando, antes de tudo, uma excelente Pessoa,
Que sabia inglês para dar, emprestar ou vender,
Disse-me aqui ao ouvido que isso da sua morte
Foi quando as fake-news começaram a aparecer…
Eduardo Aroso©
Véspera de 13-6-2022
LUÍS DE CAMÕES – ENTRE A FORÇA
DA GRAVIDADE E A FORÇA CELESTE
«E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando»
(Os Lusíadas, Canto I)
A gravidade é uma das leis da física que mais facilmente
entendemos desde os bancos da escola. A invenção do avião, não podendo anular
essa lei, trouxe contudo a possibilidade de nós escaparmos, por mais ou menos
tempo, a essa força que nos puxa para baixo. Segundo a ficção científica – que lentamente
sempre se vai tornando realidade – é possível viver cada vez mais tempo no
espaço.
Quando Camões se referiu à libertação da lei da Morte,
apontava a possibilidade do glorioso caminho que, num futuro talvez distante,
toda a humanidade pode trilhar. É evidente que não se trata de viver eternamente
no corpo, mas da construção por cada um de uma espécie de “corpo vital de
memória”. Construção ou libertação ultrapassando a não-memória ou a má-memória.
Milhares de seres humanos morrem diariamente ainda nestas condições não
realizadas. Raros se elevam, no tempo, nesse corpo ou auréola. Há também os que
fazem batota, ou seja, os Ícaros que julgam ter asas (ou as compram na
contrafação), que logo caem no chão derretidas pelo sol da verdade, no
julgamento da História. Nestes últimos tempos, nas comemorações do 10 de Junho da
velha Casa Lusitana, muitos Ícaros têm exibido a sua lapela, mas, ao invés dos
aviões, não criaram propulsão. Ícaro caiu no mar Egeu; os nossos caem na costa
atlântica ou mesmo em terra. As medalhas podem ficar. As asas, por serem de
cera, é que se vão derretendo…
Eduardo Aroso ©
PIETÀ
Senhora que estais no corpo macerado
de todas as mães deixando as suas casas,
crucificadas também pelos caminhos
árduos do desespero fugindo dos algozes.
Se os vossos filhos ficam, lá fica a vossa dor,
se vão convosco vai a súbita incerteza
embebida em vinagre por pecados quais
dados em amargura neste tempo absurdo.
Pietà! Pietà! Vossos braços que tudo amparam
e se alongam tocando a vida e a morte.
Lágrimas assistindo impávidas na cruz
ao derradeiro calvário da civilização.
Latejam as horas como cravos
que vêm ao vosso regaço macerado
na espera ardente por um grito de aleluia!
Eduardo Aroso ©
Páscoa de 2022
Se Leonardo da Vinci captou, interiormente, o arquétipo da Última Ceia, vemos que todos estão do mesmo lado. Este pormenor é susceptível de ser bastante elucidativo. (1) Pese embora a chamada «doutrina social da Igreja», tema que para o presente caso não importa, ao contrário do que se geralmente se pensa de João XXIII, a reforma de “liberalização” da Igreja levada a cabo no seu pontificado, se trouxe comodidade à assembleia de fiéis, veio barrar o aspecto esotérico e iniciático da praxis cristã. Se não acabou, dificultou e dificulta cada vez mais essa via ao cristão, pois, por exemplo, o facto do sacerdote se posicionar voltado para a assembleia, obriga-o a estar de costas para o oriente, ponto cardeal para onde TODOS se voltavam, aliás a orientação tradicional dos templos cristãos. Fica porém a dúvida se a posição do sacerdote perante a assembleia teria (tem), ou não, como objectivo personificar nele a autoridade papal. Depois do Vaticano II continuará a haver, portanto, mais extremadas (mas não incompatíveis) a «Igreja de Pedro» e a «Igreja de João».
Um alto funcionário do Egipto disse, há já algumas décadas, que se o
Islão tem reforma, então já não é o Islão, o que, evidentemente, justifica a
existência do sufismo, como aliás a cabala no Judaísmo. Não se pode dizer o
mesmo de algo no Cristianismo?
(1) Há, como é sabido, uma disposição outra que é
a da Távola Redonda que, para o caso, se insere noutro contexto.
Eduardo Aroso©
Semana Santa, 2022